A
verdadeira prevenção e solidariedade no combate à Aids no
Brasil
Maria Cristina Feijó
Januzzi Ilario
Viver num país
que vem desenvolvendo o exercício da democracia e cidadania nos
coloca muitas vezes frente a opiniões e atitudes que se
entrechocam, mesmo quando voltadas a um objetivo comum como o
combate à epidemia da aids.
Há
que se respeitar valores, crenças e convicções pessoais, sem,
no entanto, nos furtar ao reconhecimento dos fatos e análise dos
dados científicos, tecnológicos e epidemiológicos à disposição
de todo e qualquer cidadão.
A
opinião do Sociólogo Roberto Geraldo da Silva, presidente da
Associação Esperança e Vida, manifesta na edição de
02/12/2005 no Correio Popular, no mínimo causa estranheza e
incoerência com a prática desta instituição, e no máximo
desconhecimento quanto as diretrizes do SUS (Sistema Único de Saúde),
nas quais estão pautadas a Política Pública do Programa
Nacional de DST/Aids e do Programa de Redução de Danos voltado a
pessoas usuárias de drogas, lícitas ou ilícitas, em especial às
que fazem uso por via injetável.
Assim
como este senhor, conheço a epidemia da Aids desde seu início, e
como pessoa, profissional de saúde e gestora dessa área programática,
vi nascer uma das melhores Políticas Públicas em Saúde como
resposta à mobilização e organização da Sociedade Civil, que
na década de 80 se deparou com esta nova e devastadora epidemia.
Rotulada
inicialmente como a "Peste Gay", porque os primeiros
casos se manifestaram no ocidente, em jovens homossexuais e porque
ninguém sabia entender a Aids e suas manifestações, vimos nosso
país passar pelo primeiro grande desafio: Acolher e respeitar a
demanda por saúde a partir da organização dos representantes
deste segmento social, sem juízo ou discriminação de orientação
sexual, e que resultaram no melhor Programa de Combate à Aids do
mundo, assim reconhecido pela OMS (Organização Mundial da Saúde),
e que tem salvo milhares de vidas de homens, mulheres e crianças
brasileiros, de todas as etnias, credo e orientação sexual.
Toda
ação, estratégia e recursos financeiros que foram priorizados
para essa área, contaram e contam com participação, validação
e controle da Sociedade, e dão Voz às Pessoas que Vivem com
HIV/Aids em várias instâncias oficiais nos três níveis de
Governo (municipal, estadual, federal).
Todas
as ações e estratégias se pautam no respeito às diferenças
individuais e coletivas, fomentando a construção da autonomia
cidadã, qualificando e promovendo a equidade no acesso a toda
informação necessária para a prevenção da infecção pelo
HIV/Aids e assistência técnica especializada para os acometidos.
O
acesso é universal, assim preconiza o SUS, mas as nossas portas
de entrada devem ser necessariamente sensíveis e equânimes para
garantir a igualdade. Não é possível aceitar calada nenhuma crítica
que desqualifique o imenso esforço e compromisso que a Sociedade
Civil Organizada, Pessoas Vivendo com o HIV/Aids e Gestores e
Profissionais de Saúde vêm dedicando para a construção do
Melhor Programa de Aids do Mundo.
Não
vendemos Indulgências em troca da salvação eterna;
Disponibilizamos livre e universalmente todo arcabouço legal,
material e humano possíveis, na leitura e adequação a todas as
diversidades e desigualdades do nosso povo, para que possam fazer
livremente suas escolhas com a maior proteção em saúde.
Isso
é respeito! Isso é responsabilidade! Isso é humanizar preceitos
técnicos e científicos, e colocá-los à disposição e alcance
da população.
Somente
com muita ética, diálogo, respeito e responsabilidade conseguiríamos
o que a Política do ABC de George Bush jamais considerou possível:
cruzar o milênio com praticamente metade dos casos de aids
esperados pela OMS para o Brasil.
Essa
política defendida pelo Presidente da Casa de Apoio Esperança e
Vida, nega recursos financeiros para países pobres que queiram
incluir os excluídos socialmente, como profissionais do sexo, usuários
de drogas, entre outros; nega o financiamento para a terapia com
antirretrovirais na África e Leste Europeu e se defende ao
liberar recursos risíveis para as Campanhas de Prevenção que
distribuem muito "Papo" e pouca ação; esta política não
reconhece a liberdade e o direito às diversidades e diferenças,
quer sejam de orientação sexual, credo ou gênero, quer sejam
culturais, sociais ou étnicas.
Nas
palavras do Sr. Roberto Geraldo da Silva, aproveito para
questionar os recursos financeiros desta política nacional e
municipal que sua instituição pleiteia, recebe e todo montante já
recebido em projetos que foram aprovados tecnicamente para
promover acesso, geração de renda e retaguarda social para os
menos favorecidos.
Não
sejamos Maquiavélicos, certamente os fins não justificam os
meios! O Brasil acaba de recusar alguns milhões de dólares dessa
política, porque não admite e não tolerará interferências
discriminatórias no combate à aids.
Por
último, gostaria de esclarecer que o Programa de Redução de
Danos, se baseia em programas internacionais com resultados
concretos e já verificados mesmo no nosso município quando
analisamos a curva descendente da epidemia da aids neste segmento
social; acrescentamos que entre outros resultados, a diminuição
da freqüência do uso individual de substâncias psicoativas lícitas
ou ilícitas, e a diminuição importante do número de overdoses
foram observados. O nosso Lema para este programa includente, é:
Melhor
é não utilizar droga nenhuma; Se você o faz, melhor que não
seja por via injetável; Se você o faz, utilize insumos
individuais, em respeito à saúde do outro.
Realmente
não nos julgamos Deus! Não nos julgamos no direito de decidir
pelo outro o que a nós mesmos, individualmente, parece certo. Não,
nós não julgamos, não temos em nosso poder a verdade universal
e absoluta, não vendemos Indulgências em troca da Vida Eterna,
que só a Deus cabe conceder.
Em
tempo: O incentivo ao uso do preservativo na relação sexual
continua atual e necessário; através das campanhas, a busca por
esse insumo nas unidades básicas de saúde em Campinas cresceu de
40.000 unidades/mês em 1999 para 300.000 unidades/mês em 2005.
Sua eficácia e efetividade, segundo o Ministério da Saúde, na
prevenção da infecção ao HIV/Aids e outras DSTs através das
relações sexuais, são da ordem de 95%.
Maria
Cristina Feijó Januzzi Ilario é enfermeira sanitarista,
coordenadora do Programa Municipal de Doenças Sexualmente
Transmissíveis e Aids da Secretaria Municipal de Saúde de
Campinas