Médicos cubanos: fatos e mitos
José Francisco Kerr Saraiva
 

A notícia da vinda de médicos cubanos em caráter de intercâmbio científico para Campinas tem causado expectativas e repercussões que entendo compete a mim, na qualidade de gestor municipal da área de saúde, vir a público esclarecer alguns pontos.

Nos dias 11 e 17 de janeiro, o Correio Popular publicou dois artigos - um de autoria do dr. Luiz Alberto Barcellos Marinho, que atua na Secretaria de Saúde de Campinas, e outro do dr. Jorge Carlos Machado Curi, presidente da Associação Paulista de Medicina – que trataram da questão e apontaram uma série de argumentos merecedores de destaque, dado à polêmica de que a vinda destes profissionais poderia se dar com intenções trabalhistas, a fim de solucionar os problemas relacionados à falta de médicos.

Visitei Cuba recentemente a convite do Governo Municipal, junto com a Secretaria de Cooperação Internacional, por meio de um convênio que Campinas tem com a cidade-irmã de Cotorro, situada próxima a Havana e com características sócio-demográficas semelhantes às de nossa cidade. Na mesma comitiva estavam representantes de outros municípios da região e de várias áreas de atuação.

Conheci o sistema de saúde de lá e vislumbrei a perspectiva de realização de convênio de intercâmbio científico, como já ocorre entre nossas universidades, fortalecendo e pela primeira vez dando visibilidade internacional ao Centro de Educação dos Trabalhadores da Saúde (CETS), da Secretaria Municipal de Saúde, que tradicionalmente desenvolve ações junto às universidades e recebe estagiários das diversas áreas da saúde – entre eles alunos de cursos de graduação não somente de medicina, mas também de fisioterapia, fonoaudiologia, nutrição, enfermagem e odontologia.

A viabilidade legal do processo tomou como base os mesmos moldes adotados por universidades brasileiras que promovem a troca de conhecimentos com outras nações. Basta entrarmos nas duas maiores universidades de Campinas para encontrarmos alunos e profissionais de países dos quatro cantos do planeta e de várias áreas do conhecimento cumprindo programa de intercâmbio.

O acordo com Cuba tem como objetivo a troca de experiências, o aprendizado será bilateral, já que médicos da Secretaria de Saúde também irão a Cuba que, ressalto, tem um sistema de saúde com características - particularmente na atenção básica – semelhantes e com forte identificação com os programas de Campinas.

A idéia é recebermos 20 médicos por um período pré-determinado, que serão distribuídos entre os cinco distritos de saúde e supervisionados por apoiadores do CETS e coordenadores dos centros de saúde e dos próprios distritos. Eles vêm sem qualquer vínculo profissional, à luz do que ocorre com os residentes, internos e pós-graduados das áreas da saúde da PUC-Campinas e Unicamp, que fazem da nossa rede campo de estágio e aprimoramento.

Portanto, os médicos de Cuba não vêm a Campinas para ‘tomar o lugar’ dos médicos daqui, como possa ter sido sugerido numa avaliação preliminar, mesmo porque 20 profissionais representam muito pouco diante do universo de mais de 1 mil médicos que atuam na Secretaria Municipal de Saúde e da necessidade de profissionais da pasta, que acaba de abrir processo seletivo para contratar 250 médicos.

Apenas para acrescentar outros elementos de comparação, pergunto: O que significa o contingente de 20 médicos diante das mais de 300 mil consultas realizadas todo mês pela Secretaria Municipal de Saúde e que somadas aos procedimentos de baixa, média e alta complexidade resulta em mais de 800 mil procedimentos mensais?

Além do que, a vinda destes médicos vem sendo discutida de forma ampla com representantes da classe médica, além de outros órgãos que tratam de assuntos da área de saúde, como o Conselho Municipal de Saúde (CMS), com o objetivo de legitimar o processo da forma mais democrática, característica desta gestão.

É necessário considerar ainda o fato de Campinas possuir indiscutível vocação acadêmica e ser dever da Secretaria de Saúde transmitir e construir conhecimentos, conforme preconiza a Lei Orgânica de Saúde que determina, entre os campos de atuação do SUS, a ordenação da formação e educação permanente de recursos humanos e o incremento do desenvolvimento científico e tecnológico.

Por outro lado, é importante trocar experiências com países que, embora com poucos recursos orçamentários, como é o caso de Cuba, apresentam índices mínimos de cesariana e os menores índices de mortalidade materno-infantil do planeta, além de apresentar taxas de longevidade de fazer inveja a muitos países de primeiro mundo.

Este intercâmbio, diga-se de passagem, é o pontapé inicial de um processo que a Secretaria Municipal de Saúde, junto à Secretaria de Cooperação Internacional, pretende dar a fim de propiciar outros acordos internacionais de intercâmbio com países que têm modelos de saúde semelhantes ao sistema público de saúde do Brasil – entre eles Inglaterra e Canadá – e assim, através da troca de informações e do debate, contribuir para a construção e fortalecimento do SUS.

Não podemos permitir que se repita aqui a discriminação que ocorre com os médicos brasileiros que vão estudar na Europa, Estados Unidos e Canadá. O intercâmbio científico não representa ameaça. Ao contrário, ele acrescenta, compõe, traz conhecimentos e experiências. Além do mais, a busca do resgate social, fortalecido por acordos internacionais, não deve e não pode ser desmerecida ou simplesmente reduzida a interpretações comezinhas de fácil argumentação.

José Francisco Kerr Saraiva é Secretário Municipal de Saúde de Campinas