Doença Meningocócica e Outras Meningites Bacterianas –
Texto para profissionais de saúde

A Doença Meningocócica, pela possibilidade da ocorrência de casos gravíssimos com alta letalidade, com uma evolução muito aguda, ou talvez pelo seu potencial epidêmico, como poucas doenças, têm tanto poder de causar pânico entre a população.

O propósito desse documento é informar ao médico e demais profissionais de saúde, particularmente àqueles que recebem esses pacientes em pronto-socorros ou pronto-atendimentos, qual o seu papel no controle da infecção e prevenção, tanto de casos esporádicos como de surtos ou epidemias de doença meningocócica.

EPIDEMIOLOGIA

Nos últimos 10 anos no Estado de São Paulo, o sorogrupo B tem sido prevalente sobre o C ( 59% e 33% respectivamente, dos casos com determinação de sorogrupo) e o sorogrupo A não tem sido identificado. Essa situação persistiu até o ano 2002, mas está proporção vem caindo  nos últimos anos para todo o Estado de São Paulo, mostrando portanto, uma tendência de crescimento percentual do sorogrupo C. Em Campinas até 2003 houve predominância do Sorogrupo B sobre o C, no entanto em 2004, até o dia 20 de julho, dos 8 casos da doença ocorridos entre os residentes no município, 6 foram do Sorogrupo C, 1 do Sorogrupo B e 1 caso a cultura está em andamento.

O risco de adquirir a doença existe para todas as faixas etárias,  mas é inversamente proporcional à idade, sendo que dos seis meses a um ano de vida a criança encontra-se no período mais suscetível. No estado de São Paulo em 2002, o coeficiente de incidência para menores de 1 ano foi de 23,4 casos por 100.000 habitantes da mesma faixa etária e na faixa etária de 1 a 4 anos o CI foi de 31,9 por 100.000 habitantes.

A letalidade média nos últimos 10 anos foi de 18,8% sendo muito maior na forma clínica de meningococcemia sem meningite quando comparada com a de meningite sem meningococcemia ( 56,2% e 7,7%, respectivamente).

Essa doença apresenta sazonalidade, sendo mais freqüente no inverno, podendo aparecer durante o ano todo.

Podem ser consideradas pessoas com maior risco de adoecer: comunicantes íntimos de casos, viajantes para áreas que tenham níveis hiperendêmicos ou epidêmicos, pessoas com asplenia funcional ou anatômica, deficiência de properdina ou deficiência de complemento (C5 até C8). Aparentemente, pessoas com imunossupressão, incluindo a infecção pelo HIV, não apresentam maiores riscos.

Os surtos podem ocorrer a intervalos irregulares e são freqüentemente associados com a introdução de uma nova cepa virulenta na comunidade. Em períodos endêmicos, o percentual de casos em menores de cinco anos é igual ao de maiores, ou seja, de 50%. Em surtos, ocorre um deslocamento para faixas etárias maiores, ou seja, os maiores de cinco anos passam a ser mais atingidos, enquanto o risco (coeficiente de incidência ou taxa de ataque) continua alto nas crianças menores. Na epidemia da década de 70 em São Paulo foi possível verificar, por exemplo, que 50% dos casos ocorreram apenas na faixa etária de cinco a 24 anos.

A sorogrupagem, sorotipagem, subtipagem e o padrão eletroforético das cepas circulantes ajudam na confirmação da ocorrência de um surto ou epidemia, normalmente causados por cepas provenientes de um mesmo clone.

IDENTIFICAÇÃO DE CASOS: TESTES LABORATORIAIS

A melhor confirmação laboratorial de um caso de doença meningocócica se dá quando há o isolamento da Neisseria meningitidis de fluido orgânico usualmente estéril: sangue, líquor, líquido sinovial, pleural ou de pericárdio, ou ainda proveniente de aspirado de petéquia ou púrpura.

A coloração pelo método de Gram de esfregaço proveniente desses materiais acima descritos também confirmam um diplococo Gram negativo como meningococo, tendo em vista que dificilmente outro poderia causar esse quadro clínico (exceção ao gonococo em artrites isoladas).

A identificação de antígenos pela Prova do Látex e imunoeletroforese cruzada (líquor e soro) são confirmatórios, com a identificação dos principais sorogrupos.

Toda cepa isolada precisa ser identificada, com determinação de sorogrupo, sorotipo, subtipo e imunotipo, trabalho que o Instituto Adolfo Lutz de São Paulo realiza usando de tecnologia comparável a de países do primeiro mundo. Esses estudos são importantes para a vigilância epidemiológica, ou seja, o conhecimento das cepas circulantes para a detecção precoce da introdução de cepas pertencentes a clones epidêmicos. Isso, para não falar de estudos periódicos para a determinação de sensibilidade aos antibióticos.

IDENTIFICAÇÃO DE CONTATOS DE RISCO

A decisão de fazer ou não a quimioprofilaxia está diretamente relacionada com o risco que cada contato tem de adquirir ou não a doença invasiva. Contatos íntimos do caso índice estão sob risco aumentado, mas nem sempre é fácil definir o que é contato íntimo. Uma definição simples e prática utilizada pelos países desenvolvidos, que restringem bastante essa prática, seria: "um indivíduo que freqüentemente dormia ou comia sob o mesmo teto que o caso índice", ou seja, comunicantes domiciliares mesmo.

É interessante perguntar-se porquê os países desenvolvidos restringem tanto o uso de quimioprofilaxia, criticando inclusive, aqueles que cedem aos comunicantes não íntimos, não domiciliares. Além da possibilidade maior do meningococo criar resistência ( isso já ocorreu com o uso da sulfa na década de 60 ) e dos efeitos colaterais da droga, há estudos demonstrando que o transmissor da cepa virulenta está entre os comunicantes íntimos do paciente; quando se expande muito a quimioprofilaxia, na verdade, está-se erradicando estado de portadores de cepas que não causam doença e conferem imunidade cruzada aos outros meningococos, porque portadores assintomáticos normalmente mantém uma diversidade de sorogrupos e sorotipos, muitas vezes não patogênicos, atingindo até 12% da população.

Quando o caso índice freqüenta creche ou pré-escola, seus comunicantes também têm um risco 300 vezes maior do que a população geral, assim como pessoas que por motivos variados se expuseram aos fluidos orais do paciente, até 10 dias antes: beijo na boca, uso comum de utensílios como colher, garfo, escova de dentes, cigarro. No caso de profissionais de saúde, na realização de manobras de ressuscitação ou aspiração de secreções sem os devidos cuidados, ou seja, sem uso de precauções padrão e precauções respiratórias por gotículas. A raridade de ocorrência de doença invasiva por meningococo entre os profissionais de saúde que trabalham nessa área, ou entre os seus familiares, enfatiza o baixo risco.

Afora esses casos, outros contatos ocasionais, entre escolares, ou em ambientes de trabalho, ou o comunicante do comunicante íntimo, contactantes de uma festa, ou de igrejas, encontros nos elevadores, o trajeto da ambulância, etc, o risco não é maior que o da população em geral não havendo motivo para a indicação de quimioprofilaxia. As exceções poderão existir e deverão ser muito bem avaliadas em cada caso.

O aspirado de nasofaringe ou cultura de material de garganta não ajudará na definição do risco para a doença invasiva, pois Neisseria meningitidis faz parte da flora normal. A colonização não implica em risco para a doença, podendo ser um importante componente para a imunização natural contra os vários meningococos, considerando-se que há imunidade cruzada entre eles.

A taxa de portador para o meningococo varia com a idade, sendo maior em adolescentes e adultos do que em crianças. Também é maior em populações que vivem em situação de aglomeração.

O doente não é importante enquanto fonte de infecção porque o período de incubação da doença é muito curto e, tratando-se de doença aguda e grave, ele é imediatamente internado e colocado em isolamento respiratório por gotículas.

O propósito da quimioprofilaxia é erradicar o estado de portador dessas cepas causadoras de doenças invasivas, que, via de regra, está, ou estão, entre os comunicantes íntimos do caso índice, geralmente a mãe ou o pai do paciente.

QUIMIOPROFILAXIA

A quimioprofilaxia está indicada para todos os comunicantes íntimos de um caso, seja esporádico, seja em situações de surtos ou epidemias.

A Academia Americana de Pediatria e o Centro de Vigilância Epidemiológica recomendam-na aos contatos domiciliares, de quartéis ou orfanatos (mesmo quarto), comunicantes íntimos de creches e pré-escolas (mesma sala, mesmo período, as merendeiras), e pessoas diretamente expostas às secreções orofaríngeas através de beijos e outros, durante sete a 10 dias antes do início dos sintomas da doença no caso índice.

De rotina, não é recomendada aos profissionais da saúde, a não ser que não tenham tomado precauções respiratórias no atendimento ao paciente, na entubação endotraqueal ou na aspiração de secreções, ou que tenham realizado ressuscitação boca a boca.

O caso índice precisa receber a quimioprofilaxia antes da alta, a menos que seu tratamento tenha sido realizado com ceftriaxona, que também é um potente erradicador de meningococo da orofaringe. Antibióticos como o cloranfenicol ou penicilinas não atingem níveis suficientes em lágrimas ou saliva para tal finalidade. Durante o tratamento da doença sistêmica, ocorre uma baixa na dose infectante em orofaringe, podendo o paciente ser retirado do isolamento respiratório após 24 horas. Porém, após a suspensão desses antibióticos, o meningococo volta a recolonizar a orofaringe em 27% dos casos.

Idealmente, a quimioprofilaxia deve ser realizada dentro de 24 horas após a internação do caso índice, porque a maioria dos casos secundários ocorre em até cinco dias.

A rifampicina tem sido a droga de escolha para a quimioprofilaxia. Drogas como a ceftriaxona ou ciprofloxacina, apesar de excelentes erradicadoras do estado de portador e de fácil aderência por serem utilizadas em dosagem única para essa finalidade, têm sido indicadas como drogas alternativas à rifampicina.

IMUNOPROFILAXIA – VACINAÇÃO

As vacinas tradicionais contra os meningococos são elaboradas a partir dos antígenos contidos nos polissacárides capsulares. Com a aquisição de resistência dos meningococos à sulfa houve um interesse maior na produção das vacinas e, em 1967 foi testada numa epidemia no Egito, a vacina contra o meningococo A, que mostrou-se bastante eficaz. Desde então, estão liberadas para uso vacinas contra os meningococos dos sorogrupos A, C, Y e W135.

A cápsula do meningococo do sorogrupo B é pouco imunogência em humanos. Desde a década de 70 quando apareceram as primeiras epidemias pelo sorogrupo B, que a comunidade científica trabalha na produção de uma vacina eficaz. No entanto, os testes realizados em várias delas demonstraram baixa eficácia, exceto a produzida pelos cubanos que, para eles demonstrou ser muito eficaz.

Estudos realizados no Brasil, tanto de soroconversão como de produção de anticorpos bactericidas e mesmo a avaliação de impacto epidemiológico após uma campanha de vacinação realizada em 2.500.000 crianças com essa vacina, não mostraram boa eficácia em crianças menores de quatro anos e, tanto a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo como o Ministério da Saúde não recomendam o seu uso.

As vacinas tradicionais contra os meningococos são bem toleradas; a dose recomendada é de 0,5 mL por via subcutânea, podendo ser aplicada ao mesmo tempo que as outras vacinas da rotina, porém em locais diferentes.

A vacinação é recomendada para pessoas de alto risco, incluindo aquelas pessoas com deficiência de complemento ou de properdina, bem como com asplenia anatômica ou funcional. Também está indicada para as pessoas que vão viajar para locais onde se sabe de uma circulação maior de cepas epidêmicas, como é o caso do conhecido cinturão africano das meningites (de Mauritânia à Etiópia) e, mais recentemente, da Arábia Saudita, após a epidemia entre os peregrinos de Meca, em ambos os locais com prevalência do sorogrupo A.

A vacinação na rotina com as vacinas atualmente disponíveis, não é recomendada para a população em geral, porque o impacto epidemiológico observado com essa medida é muito baixo. Além disso, a população de maior risco, os menores de dois anos, não respondem à vacina contra o sorogrupo C, e necessitam de duas doses para responderem ao sorogrupo A.

A duração da imunidade conferida é tanto menor quanto menor a idade no momento da aplicação, e há trabalhos descrevendo o desenvolvimento de tolerância imunológica quando essas vacinas são aplicadas, principalmente antes dos dois anos de idade.

Admite-se que, de modo geral, crianças abaixo de cinco anos poderão permanecer imunes até por dois anos, e acima dessa idade e adultos, manteriam títulos protetores por aproximadamente cinco anos.

Quando há evidências da ocorrência de surto ou epidemia, e o sorogrupo prevalente pertence aos sorogrupos contidos nessas vacinas, há que se vacinar a população de maior risco o mais rápido possível.

A vacina conjugada contra o meningococo C já foi testada em epidemia no Reino Unido, com grande sucesso, demonstrando excelente eficácia em crianças pequenas, havendo a necessidade de três doses em crianças menores de um ano. Esta vacina foi recentemente licenciada no Brasil e está disponível nos Centros de Referência para os Imunobiológicos Especiais (CRIE) para as crianças maiores de 2 meses portadoras de: asplenia congênita ou adquirida, deficiências do complemento, anemia falciforme e talassemia e esplenectomizados. Em Campinas o CRIE fica no Hospital de Clínicas da UNICAMP.

NOTIFICAÇÃO

Dentre as doenças de notificação, a doença meningocócica merece uma atenção maior por parte dos clínicos, tanto no que se refere à suspeita precoce e tratamento adequado, como também da necessidade de se isolar o agente em cultura, de manter um fluxo com o laboratório de saúde pública, de notificar rapidamente pois, é a partir daí que as autoridades sanitárias poderão agir com segurança e precocidade na indicação das medidas mais adequadas para manter a doença sob controle e, nas endemias, uma baixa letalidade e menor número de seqüelas possível.

Não se indica o fechamento de creches ou escolas ou locais de trabalho. Não se interditam salas ou equipamentos, como ambulâncias e ônibus escolares. Não se queimam objetos de uso pessoal dos doentes, e assim por diante, simplesmente porque a bactéria não sobrevive no meio ambiente, sofrendo facilmente ações de dessecamento por sua fragilidade térmica.

OUTRAS MENINGITES BACTERIANAS

As vacinas contra o Hemófilos, disponível na rotina das Unidades de Saúde desde 1999 para crianças menores de 4 anos e contra o Pneumococo para as crianças maiores de 2 anos e adultos imunocompetentes, com doença pulmonar ou cardiovascular crônicas graves, insuficiência renal crônica, síndrome nefrótica, diabetes melito, cirrose hepática e fístula liquórica, ou para adultos ou crianças maiores de 2 anos com asplenia anatômica ou funcional, hemoglobinopatias, imunodeficiência congênita ou adquirida, pessoas HIV+ e assintomáticas ou com Aids, tem reduzido o número de ocorrências da meningites por Hemófilos e Pneumococo respectivamente.

A partir de 1992, a vacinação de rotina para crianças maiores de 1 ano, profissionais da saúde e educação contra a Rubéola, Sarampo e Caxumba, reduziu nos últimos anos a ocorrência de Meningites Virais.

 

Texto elaborado a partir do documento técnico – PREVENÇÃO DA DOENÇA MENINGOCÓCICA E ESTRATÉGIAS DE CONTROLE – um documento especialmente dirigido à profissionais de saúde, da Divisão de Doenças Respiratórias do Centro de Vigilância Epidemiológica Alexandre Vranjac- Secretaria do Estado da Saúde, 2001.

Manual dos Centros de Referência de Imunobiológicos Especiais – Ministério da Saúde, 2001.