Maria Filomena de Gouveia Vilela
Este 13 de
novembro foi um daqueles dias em que senti muito orgulho
por ser profissional de saúde e trabalhar no Sistema
Público de Saúde, o SUS. Tivemos a oportunidade de
conhecer o projeto de vários profissionais, da rede de
saúde de Campinas, da cidade do Embu - SP e do Rio de
Janeiro, os quais têm e tiveram experiências que deram
certo no tratamento de pacientes com tuberculose.
Campinas
busca, como vários outros municípios brasileiros,
latino-americanos e de vários países do mundo,
alternativas para melhorar significativamente os
indicadores de cura e abandono dos pacientes com
tuberculose. Apesar da cura ter sido descoberta há mais
de sessenta anos, o panorama mundial da doença ainda é
extremamente preocupante, pois 8 milhões de pessoas no
mundo adoecem anualmente por tuberculose e 2 milhões
ainda morrem pela doença. Em Campinas são 280 doentes
por ano, dos quais 75% concluem o tratamento. O
controle da doença depende da prevenção, diagnóstico
precoce e cura através da conclusão do tratamento. A
Organização Mundial de Saúde preconiza uma taxa de cura
de 85%, o que seria suficiente para reduzir
drasticamente a transmissão da doença, uma vez que um
dos segredos para prevenir a tuberculose é justamente
curar boa parte dos doentes.
É mais do
que sabido que as causas da doença são de natureza
complexa e relacionadas às condições de vida,
desigualdade social, idade, situação nutricional e a
co-morbidade, particularmente com a Aids, diabetes,
alcoolismo. Ainda assim, a arrasadora maioria das ações
para o controle da doença reside no campo da saúde. Uma
das dificuldades no combate à tuberculose é o freqüente
abandono do tratamento, o que faz muitos doentes
adquirirem bacilos cada vez mais resistentes aos
antibióticos e, portanto, de dificílimo tratamento. Por
quê as pessoas abandonam o tratamento? Ou será que nós
as abandonamos?
E é aí que
entra a Rocinha. E a Rita, ex-agente comunitária da
maior favela do Rio de Janeiro, a quem tivemos a honra
de receber em Campinas, para falar aos profissionais do
SUS sobre o que pode dar certo neste desafio permanente
que é combater a tuberculose. Rita começou perguntando
ao auditório: quem abandona quem? Sem nenhum recurso
áudio visual, modernidades, tecnologias, ela conseguiu
arrancar lágrimas de todos, uma platéia de trezentas
pessoas, entre enfermeiros, auxiliares de enfermagem,
agentes comunitários de saúde e médicos, que a
aplaudiram de pé. Por quê a emoção? Porque ela falou de
coisas simples e caras a todos nós, profissionais de
saúde: o segredo do tratamento não está necessariamente
nos remédios, no saber técnico, mas sim no vínculo entre
profissionais e pacientes, no cuidado cotidiano que
prestamos e, principalmente, em saber ouvir estas
pessoas. E nós ouvimos sua história de vida, uma
moradora da Rocinha, que perdeu a mãe ainda jovem,
tuberculosa e alcoólatra. E ao longo de sua vida, Rita
refez a trajetória da mãe, tornou-se também alcoólatra,
usou drogas, foi moradora de rua e teve por duas vezes
tuberculose. O que fez a diferença? Em sua última e
longa internação, após o segundo diagnóstico de
tuberculose, ali entre vida e a morte ela teve ajuda de
uma assistente social, que a estimulou a alimentar-se e
continuar a viver. E continuar a viver significou parar
de beber, tratar-se, cuidar do filho e até começar a
estudar. Estudou, passou no concurso de agente
comunitário e foi trabalhar na Rocinha. Seu maior
orgulho durante os cinco anos de trabalho como agente
comunitária: nunca teve um paciente que abandonou o
tratamento.
Quantas
Ritas temos por aí, abandonadas, pisoteadas,
discriminadas? São delas que devemos cuidar, se
quisermos tentar resolver o problema da tuberculose.
Mais do que isso: são a elas que devemos devolver a
dignidade e esta é a grande riqueza do SUS.
Campinas, 13 de novembro de 2008
Maria Filomena de Gouveia Vilela é enfermeira sanitarista e diretora da Vigilância em Saúde de Campinas