Artigo com conteúdo
abordado por Mário Becker na entrevista da educativa:
NÓS, FUMANTES
ATIVOS E PASSIVOS
Temos sido
procurados mais freqüentemente nas últimas duas semanas por
pessoas que querem parar de fumar. Conseqüência da mídia
estar enfocando, em programas como o Fantástico (em junho e
julho), a saga de pessoas que querem abandonar o tabagismo? Pelo
Dia Mundial sem Tabaco, em 31 de maio?
O British
Medical Journal de 8 de junho de 2002, em editorial,
comenta a função da imprensa na tentativa do fumante
desprender-se de sua dependência ao fumo, com exemplos em que
se criaram expectativas baseadas em fatos cientificamente
comprovados e não comprovados, nos últimos quatro anos no
Reino Unido e EUA. Como era esperado, notícias baseadas em
fatos cientificamente comprovados foram úteis para os fumantes
ativos, estimulando expectativas realistas. Quando as notícias
não se basearam em comprovações, muitos avanços foram
perdidos e foi necessário muito empenho para recuperar as
perdas.
Afinal, o
tabagismo atinge-nos, fumantes ativos e passivos.
Quase inconcebível
alguém não ter visto (se puder enxergar) ou ouvido (se puder
ouvir) os fatos relacionados aos malefícios de uma das drogas lícitas
mais potentes disponíveis no mercado, a nicotina do tabaco -
apenas uma das mais de 4.000 substâncias exaladas do cigarro,
cachimbo, charuto, cigarro de palha, etc. Disponível a quem -
desde criança - quizer comprá-la em praticamente qualquer
ponto do país.
Somos
essencialmente o produto de "nature" (natureza) e
"nurture" (ambiente), num enxutíssimo resumo de onde
viemos, quem somos e para onde encaminhamos nossas vidas. A
revista Tobacco Control, em 2002 (11:119-124),
confirma que pesquisas na genética ligada ao tabagismo
aumentaram nosso entendimento da dependência à nicotina. Isto
pode iluminar os fatos ligados aos mecanismos pelos quais o fumo
afeta adversamente a saúde dos fumantes. Pelos recentes avanços
em biologia molecular, como a seqüência do genoma humano, há
crescente interesse em identificar marcadores genéticos que
predizem um risco ainda maior no uso do tabaco e de desenvolver
a dependência à nicotina.
Tente observar as
fotos nas carteiras de cigarros produzidos no Brasil. Quando na
mão do fumante, estão freqüentemente escondidas do lado de
baixo da carteira. Parece ser difícil enxergar as fotos. Elas
trazem os fatos.
Parece difícil
nos pontos de venda de cigarros vermos as fotos nas carteiras.
Motivo consciente ou inconsciente para estratégia de venda? As
fotos expõem os fatos.
Trabalhos científicos
revelam:
* Não há
"formas seguras" (ex.: cigarros "light",
"ultralight") de fumar passiva e ativamente. Isto é
ainda mais ameaçador para a gestante, o feto, a criança e o
adolescente.
* O feto fumante
passivo mais freqüentemente que o não fumante nasce antes de
estar maduro, com baixo peso e com mais deformidades. Isto o
torna mais suscetível ao afastamento precoce de sua mãe,
afetando o apego precoce mãe-bebê. Resultado: aumento
significativo do risco de doenças e mortes precoces e, mais
tarde, de acidentes, dificuldades escolares e aposentadorias
precoces.
* Os malefícios
do cigarro atingem o feto, tanto da mãe fumante passiva como
ativa.
* Mais de 85% dos
fumantes adultos iniciam sua dependência ao tabaco antes dos 18
anos.
* Mais de 40% de
crianças e adolescentes que fumam até 3 cigarros ao dia
tornam-se dependentes de nicotina.
* Mais de 65% de
fumantes adolescentes afirmam que não teriam começado fumar se
pudessem optar novamente.
* Pelo menos 25%
de crianças e adolescentes fumantes morrerá de uma doença
tabaco-relacionada.
* Adolescentes
fumam por razões que incluem identificação com imagens de
modelos de comportamento, percepção de fumar como algo normal
(ex.: ao verem familiares e amigos fumando), controle de peso e
pressão grupal, percepção de invulnerabilidade.
* Famílias de
fumantes usam mais serviços de saúde: cada fumante ativo usa 6
consultas adicionais por ano e 4 consultas adicionais por ano
para acompanhamento dos dependentes.
A maioria dos
profissionais de saúde, como os médicos, não estão treinados
e não se sentem competentes para tratar pacientes tabagistas
ativos e para encaminhar soluções ao dilema da maioria dos
fumantes, os passivos.
Os fumantes
passivos, em seu legítimo direito a um ambiente totalmente
livre do tabaco, estão ainda em 2002 expostos, no Brasil, a
ambientes em que o fumo é tolerado. Muitos locais - exemplo: a
maioria de restaurantes e bares - ainda não tem permitido a
seus freqüentadores o direito a um ambiente livre do tabaco.
Quando há áreas supostamente para não-fumantes, estas não
possuem exaustão eficiente, que garanta ambiente totalmente
livre do cigarro. Soluções estão surgindo em casas e vários
locais de trabalho e lazer. Vários lugares já são totalmente
livres do fumo, como alguns shopping centers em Campinas e vários
outros centros. Há ainda locais que estão se tornando livres
do tabaco, mesmo utilizando soluções provisórias, com uso de
fumódromos com prazo definido para passarem a ambientes
totalmente livres do tabaco. Isto é apenas o que é exigido por
lei. Muito mais importante, necessitamos estes ambientes em
respeito à saúde de todos nós, fumantes ativos e passivos.
Vários locais de
trabalho, escolas e lazer, quando surgem dilemas ligados ao
direito ao ar livre do tabaco, tem usado os recursos de grupos
operativos de reflexão entre os fumantes ativos e passivos.
Nossa experiência demonstra que, dada esta oportunidade, os
interesses de todos - fumantes ativos e passivos - são
respeitados, após um processo em que ocorre a livre exposição
dos motivos das partes envolvidas.
Parece apenas
fazer sentido focalizar todos esforços para o feto, a criança
e o adolescente não se iniciarem nesta droga e adultos não se
exporem a esta. Temos visto exemplos significativos de famílias,
locais de trabalho, mídia, planos de saúde, associações de
profissionais de saúde, escolas, ONGs, locais de lazer e
transporte, agindo preventiva e proativamente. Para não correr
atrás do prejuízo, atuando curativa e reativamente.
Mario Becker é
pediatra, psicoterapeuta e trabalha em tabagismo ativo e
passivo. Trabalha também na Secretaria de Saúde de Campinas.
Graduou-se mestre e especialista em desenvolvimento da criança
pela Universidade de Harvard, EUA.