A
SUJEIRA E O TAPETE
Carlos Eduardo Cantusio Abrahão
Está
difícil sair da Câmara dos Deputados o projeto substitutivo da
Política Nacional de Resíduos, ainda que seu relator e outros
deputados tenham se empenhado bastante na tarefa de negociar com
os setores envolvidos, em várias audiências públicas, a manutenção
de princípios fundamentais de sustentabilidade ambiental.
Poderosos interesses antagonizaram-se aos princípios do
"poluidor-pagador" e ao da responsabilização da cadeia
produtiva com o ciclo "do berço ao túmulo" de
produtos, mercadorias e embalagens, de forma que sua tramitação
ficou para a próxima legislatura.
A
prática de se esconder "sujeiras" do desenvolvimento
"embaixo do tapete" compromete gerações atuais e
futuras. A ordem nacional e internacional constrangeu indústrias
e órgãos de controle ambiental a fazerem denúncias de contaminação
que escandalizam: a estimativa é de 4 a 6.000 áreas contaminados
com resíduos tóxicos e perigosos em nosso país, 255
oficialmente identificadas só no Estado de São Paulo,
comprometendo de forma muito grave o ambiente, e colocando em
risco a saúde das pessoas. Grotesca evidência de industrialização
e desenvolvimento insustentáveis que deveriam jamais prosperar.
Para tanta sujeira acumulada o tapete ficou curto.
Na
região metropolitana de Campinas temos sítios identificados como
contaminados, entre eles agora adquirindo tardia visibilidade o
Mansões Santo Antônio no município sede. Atônitos, moradores e
empreendedores imobiliários vêm argüir os técnicos de meio
ambiente e saúde pública dos reais riscos de curto e longo
prazo, e uns e outros acabam por demarcar de forma artificial
territórios de competências onde os de meio ambiente não
entenderiam de medicina e epidemiologia, e os de saúde seriam
analfabetos em engenharia ambiental. Nada disso: o que a população
espera é o decisivo controle do mal.
No
caso Mansões Santo Antônio evidencia-se grave passivo ambiental
com confirmação da presença de resíduos tóxicos industriais
que jamais poderiam ter ido ao solo, sub-solo e água, que merece
agora a competente intervenção. Persistem as perguntas acerca
dos eventuais danos a que moradores e trabalhadores estiveram
sujeitos por terem se exposto a substâncias altamente tóxicas, e
das responsabilidades, custos sociais e ambientais de tudo isso.
Interessa agora dimensionar os eventuais danos, mas principalmente
que as medidas remediadoras não tardem e não economizem recursos
tecnológicos e econômicos para uma solução que não seja
colocar outro tapete em cima da sujeira.
Quanto
mais se observa atentamente o que ocorreu, maiores os sobressaltos
pelos inusitados desdobramentos, e maior a indignação que se nos
acomete, porque chegou até a haver liminar judicial que permitiu
o insustentável funcionamento da indústria por anos a fio! Com
todo o respeito à emérita decisão, hoje, a quem recorrer? Que
sirva o mau exemplo para que ele jamais se repita. O Conselho de
Meio Ambiente de Campinas estará atento às medidas a serem
tomadas em todos esses sítios contaminados, para se reverter a não
sustentabilidade, e para que o desenvolvimento não agrida a saúde
das pessoas e do ambiente em que vivem.
Carlos
Eduardo Cantusio Abrahão é médico, sanitarista, coordenador de
saúde ambiental da Secretaria Municipal de Saúde de Campinas e
presidente eleito do Conselho Municipal de Meio Ambiente de
Campinas para o biênio 2001-2003.