Paloma
Lopes
Uma
parceria entre a equipe de saúde mental do Distrito Sul e o
Centro de Saúde Carvalho de Moura tem modificado a vida de
pessoas dependentes do álcool. Toda semana, cerca de 30
pacientes se reúnem para discutir temas ligados à dependência
química e trocar experiências com intuito de prevenir a
recaída."Bebo desde os 20 anos de idade e demorei
muito para perceber que o álcool é um grande vilão. Hoje,
aos 45 anos, posso afirmar com absoluta certeza que minha
vida melhorou 100% desde que comecei a freqüentar este
grupo", conta Edson de Paula Júnior, de 45 anos.
Coordenado
por Welson Goulart, terapeuta ocupacional do CS São José,
o grupo existe há cerca de dois anos. "Na verdade,
havia um projeto semelhante aqui no CS, porém ele estava
desativado há algum tempo", explica ele. No entanto,
nas reuniões de apoio matricial (capacitação dos funcionários
coordenada por especialistas) entre os profissionais de saúde
mental do São José e a equipe do CS Carvalho de Moura foi
detectada a necessidade de implantar um projeto que
atendesse pacientes etilistas. "Havia uma demanda muito
grande de pacientes dependentes do álcool", justifica
Goulart.
Segundo
ele, a equipe de saúde mental do CS São José é referência
para mais de 100 mil habitantes que vivem na região.
"Como a equipe de saúde mental está concentrada no São
José, atendemos também pacientes de outros centros de saúde,
como o Carvalho de Moura e o São Domingos", conta. Por
isso, durante as reuniões de apoio matricial que os
profissionais da saúde mental (terapeutas ocupacionais,
psiquiatras e psicólogos) realizam semanalmente com as
equipes locais de referência, percebeu-se a necessidade de
criar um grupo específico para os pacientes etilistas.
Encaminhamentos.
A partir daí, os pacientes que buscavam auxílio para
tratar a dependência do álcool no Carvalho de Moura começaram
a ser examinados pela Dra. Traudi Lenk, médica generalista
do CS. E, quando dispostos a realmente deixar o vício, eles
passaram a ser encaminhados para o grupo terapêutico.
"Pensamos no projeto juntos, porém os trabalhos
ocorrem separadamente. Por isso, não participo diretamente
das reuniões, apenas encaminho os pacientes para o CS São
José", explica Traudi.
De
acordo com ela, os profissionais dos dois centros de saúde
optaram por utilizar a expressão "alcoolistas"
para os dependentes da bebida. "Alcoólatra é uma
palavra de caráter pejorativo, por isso não a utilizamos.
Além disso, preferimos nos referir ao trabalho como
‘Grupo de Prevenção à Recaída’, ao invés de
‘Grupo de Alcoólicos’, já que nosso enfoque é a saúde,
e não a doença", informa a médica.
Auto-estima.
Traudi destaca que, ao permanecerem abstinentes e
compartilharem dilemas entre si, os pacientes apresentam
melhoras clínicas e psicológicas. "Em primeiro lugar,
deve haver a vontade concreta e consciente de parar de usar
o álcool. Após isso, a pessoa é medicada por uma semana
para amenizar os sintomas da abstinência, como tremores,
alucinações, ansiedade e insônia, e começa a freqüentar
o grupo para melhorar sua auto-estima", diz.
Foi
o que aconteceu com Edson Roberto da Silva, de 37 anos.
Etilista há mais de 20 anos, está desempregado e freqüenta
o grupo há quatro meses. "Eu bebia de manhã, de tarde
e de noite, inclusive enquanto trabalhava. No entanto, fui
percebendo que, quando estava sob efeito do álcool, meu
rendimento profissional caía", recorda. Para ele, o
contato direto com pessoas que possuem a mesma doença
aumenta a vontade de deixar o vício. "Venho toda
semana e recebo total apoio dos meus familiares para
continuar abstinente", comemora.
Paidéia. A
parceria entre os centros de saúde Carvalho de Moura e São
José para atender pacientes dependentes do álcool é fruto
da humanização e desburocratização do atendimento que a
rede pública municipal oferece, desde 2001, para a população
de Campinas. Com o projeto Paidéia de saúde da família,
os profissionais passaram a tratar os pacientes sob uma ótica
integral, oferecendo apoio à saúde clínica e psicológica.
Doença. De
acordo com Rogéria Misorelli, coordenadora do Centro de
Referência e Informação em Álcool e Drogas (Criad) da
Secretaria Municipal de Saúde, o alcoolismo é uma doença
catalogada na Classificação Internacional de Doenças
(CID). "São dependentes aqueles que têm compulsão
pela substância; a vida da pessoa gira em torno da
bebida", informa.
A
coordenadora destaca que, por ser uma droga legalizada, o
acesso é muito fácil. "No caso do dependente, pode
haver a questão da predisposição, porém há também um
aspecto cultural, que incentiva o uso, e também o fácil
acesso para conseguir a substância", analisa.