Trabalho integrado entre equipes de CS e da saúde mental trata alcoolismo

27/05/2004

Paloma Lopes

Uma parceria entre a equipe de saúde mental do Distrito Sul e o Centro de Saúde Carvalho de Moura tem modificado a vida de pessoas dependentes do álcool. Toda semana, cerca de 30 pacientes se reúnem para discutir temas ligados à dependência química e trocar experiências com intuito de prevenir a recaída."Bebo desde os 20 anos de idade e demorei muito para perceber que o álcool é um grande vilão. Hoje, aos 45 anos, posso afirmar com absoluta certeza que minha vida melhorou 100% desde que comecei a freqüentar este grupo", conta Edson de Paula Júnior, de 45 anos.

Coordenado por Welson Goulart, terapeuta ocupacional do CS São José, o grupo existe há cerca de dois anos. "Na verdade, havia um projeto semelhante aqui no CS, porém ele estava desativado há algum tempo", explica ele. No entanto, nas reuniões de apoio matricial (capacitação dos funcionários coordenada por especialistas) entre os profissionais de saúde mental do São José e a equipe do CS Carvalho de Moura foi detectada a necessidade de implantar um projeto que atendesse pacientes etilistas. "Havia uma demanda muito grande de pacientes dependentes do álcool", justifica Goulart.

Segundo ele, a equipe de saúde mental do CS São José é referência para mais de 100 mil habitantes que vivem na região. "Como a equipe de saúde mental está concentrada no São José, atendemos também pacientes de outros centros de saúde, como o Carvalho de Moura e o São Domingos", conta. Por isso, durante as reuniões de apoio matricial que os profissionais da saúde mental (terapeutas ocupacionais, psiquiatras e psicólogos) realizam semanalmente com as equipes locais de referência, percebeu-se a necessidade de criar um grupo específico para os pacientes etilistas.

Encaminhamentos. A partir daí, os pacientes que buscavam auxílio para tratar a dependência do álcool no Carvalho de Moura começaram a ser examinados pela Dra. Traudi Lenk, médica generalista do CS. E, quando dispostos a realmente deixar o vício, eles passaram a ser encaminhados para o grupo terapêutico. "Pensamos no projeto juntos, porém os trabalhos ocorrem separadamente. Por isso, não participo diretamente das reuniões, apenas encaminho os pacientes para o CS São José", explica Traudi.

De acordo com ela, os profissionais dos dois centros de saúde optaram por utilizar a expressão "alcoolistas" para os dependentes da bebida. "Alcoólatra é uma palavra de caráter pejorativo, por isso não a utilizamos. Além disso, preferimos nos referir ao trabalho como ‘Grupo de Prevenção à Recaída’, ao invés de ‘Grupo de Alcoólicos’, já que nosso enfoque é a saúde, e não a doença", informa a médica.

Auto-estima. Traudi destaca que, ao permanecerem abstinentes e compartilharem dilemas entre si, os pacientes apresentam melhoras clínicas e psicológicas. "Em primeiro lugar, deve haver a vontade concreta e consciente de parar de usar o álcool. Após isso, a pessoa é medicada por uma semana para amenizar os sintomas da abstinência, como tremores, alucinações, ansiedade e insônia, e começa a freqüentar o grupo para melhorar sua auto-estima", diz.

Foi o que aconteceu com Edson Roberto da Silva, de 37 anos. Etilista há mais de 20 anos, está desempregado e freqüenta o grupo há quatro meses. "Eu bebia de manhã, de tarde e de noite, inclusive enquanto trabalhava. No entanto, fui percebendo que, quando estava sob efeito do álcool, meu rendimento profissional caía", recorda. Para ele, o contato direto com pessoas que possuem a mesma doença aumenta a vontade de deixar o vício. "Venho toda semana e recebo total apoio dos meus familiares para continuar abstinente", comemora.

Paidéia. A parceria entre os centros de saúde Carvalho de Moura e São José para atender pacientes dependentes do álcool é fruto da humanização e desburocratização do atendimento que a rede pública municipal oferece, desde 2001, para a população de Campinas. Com o projeto Paidéia de saúde da família, os profissionais passaram a tratar os pacientes sob uma ótica integral, oferecendo apoio à saúde clínica e psicológica.

Doença. De acordo com Rogéria Misorelli, coordenadora do Centro de Referência e Informação em Álcool e Drogas (Criad) da Secretaria Municipal de Saúde, o alcoolismo é uma doença catalogada na Classificação Internacional de Doenças (CID). "São dependentes aqueles que têm compulsão pela substância; a vida da pessoa gira em torno da bebida", informa.

A coordenadora destaca que, por ser uma droga legalizada, o acesso é muito fácil. "No caso do dependente, pode haver a questão da predisposição, porém há também um aspecto cultural, que incentiva o uso, e também o fácil acesso para conseguir a substância", analisa.

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