Nós, fumantes ativos e passivos

14/06/2002

Artigo com conteúdo abordado por Mário Becker na entrevista da educativa:

NÓS, FUMANTES ATIVOS E PASSIVOS

Temos sido procurados mais freqüentemente nas últimas duas semanas por pessoas que querem parar de fumar. Conseqüência da mídia estar enfocando, em programas como o Fantástico (em junho e julho), a saga de pessoas que querem abandonar o tabagismo? Pelo Dia Mundial sem Tabaco, em 31 de maio?

 
O British Medical Journal de 8 de junho de 2002, em editorial, comenta a função da imprensa na tentativa do fumante desprender-se de sua dependência ao fumo, com exemplos em que se criaram expectativas baseadas em fatos cientificamente comprovados e não comprovados, nos últimos quatro anos no Reino Unido e EUA. Como era esperado, notícias baseadas em fatos cientificamente comprovados foram úteis para os fumantes ativos, estimulando expectativas realistas. Quando as notícias não se basearam em comprovações, muitos avanços foram perdidos e foi necessário muito empenho para recuperar as perdas.
 
Afinal, o tabagismo atinge-nos, fumantes ativos e passivos.
 
Quase inconcebível alguém não ter visto (se puder enxergar) ou ouvido (se puder ouvir) os fatos relacionados aos malefícios de uma das drogas lícitas mais potentes disponíveis no mercado, a nicotina do tabaco - apenas uma das mais de 4.000 substâncias exaladas do cigarro, cachimbo, charuto, cigarro de palha, etc. Disponível a quem - desde criança - quizer comprá-la em praticamente qualquer ponto do país.
 
Somos essencialmente o produto de "nature" (natureza) e "nurture" (ambiente), num enxutíssimo resumo de onde viemos, quem somos e para onde encaminhamos nossas vidas. A revista Tobacco Control, em 2002 (11:119-124), confirma que pesquisas na genética ligada ao tabagismo aumentaram nosso entendimento da dependência à nicotina. Isto pode iluminar os fatos ligados aos mecanismos pelos quais o fumo afeta adversamente a saúde dos fumantes. Pelos recentes avanços em biologia molecular, como a seqüência do genoma humano, há crescente interesse em identificar marcadores genéticos que predizem um risco ainda maior no uso do tabaco e de desenvolver a dependência à nicotina.
 
Tente observar as fotos nas carteiras de cigarros produzidos no Brasil. Quando na mão do fumante, estão freqüentemente escondidas do lado de baixo da carteira. Parece ser difícil enxergar as fotos. Elas trazem os fatos.
 
Parece difícil nos pontos de venda de cigarros vermos as fotos nas carteiras. Motivo consciente ou inconsciente para estratégia de venda? As fotos expõem os fatos.
 
Trabalhos científicos revelam:
 
* Não há "formas seguras" (ex.: cigarros "light", "ultralight") de fumar passiva e ativamente. Isto é ainda mais ameaçador para a gestante, o feto, a criança e o adolescente.
* O feto fumante passivo mais freqüentemente que o não fumante nasce antes de estar maduro, com baixo peso e com mais deformidades. Isto o torna mais suscetível ao afastamento precoce de sua mãe, afetando o apego precoce mãe-bebê. Resultado: aumento significativo do risco de doenças e mortes precoces e, mais tarde, de acidentes, dificuldades escolares e aposentadorias precoces.
* Os malefícios do cigarro atingem o feto, tanto da mãe fumante passiva como ativa.
* Mais de 85% dos fumantes adultos iniciam sua dependência ao tabaco antes dos 18 anos.
* Mais de 40% de crianças e adolescentes que fumam até 3 cigarros ao dia tornam-se dependentes de nicotina.
* Mais de 65% de fumantes adolescentes afirmam que não teriam começado fumar se pudessem optar novamente.
* Pelo menos 25% de crianças e adolescentes fumantes morrerá de uma doença tabaco-relacionada.
* Adolescentes fumam por razões que incluem identificação com imagens de modelos de comportamento, percepção de fumar como algo normal (ex.: ao verem familiares e amigos fumando), controle de peso e pressão grupal, percepção de invulnerabilidade.
* Famílias de fumantes usam mais serviços de saúde: cada fumante ativo usa 6 consultas adicionais por ano e 4 consultas adicionais por ano para acompanhamento dos dependentes.
 
A maioria dos profissionais de saúde, como os médicos, não estão treinados e não se sentem competentes para tratar pacientes tabagistas ativos e para encaminhar soluções ao dilema da maioria dos fumantes, os passivos.
 
Os fumantes passivos, em seu legítimo direito a um ambiente totalmente livre do tabaco, estão ainda em 2002 expostos, no Brasil, a ambientes em que o fumo é tolerado. Muitos locais - exemplo: a maioria de restaurantes e bares - ainda não tem permitido a seus freqüentadores o direito a um ambiente livre do tabaco. Quando há áreas supostamente para não-fumantes, estas não possuem exaustão eficiente, que garanta ambiente totalmente livre do cigarro. Soluções estão surgindo em casas e vários locais de trabalho e lazer. Vários lugares já são totalmente livres do fumo, como alguns shopping centers em Campinas e vários outros centros. Há ainda locais que estão se tornando livres do tabaco, mesmo utilizando soluções provisórias, com uso de fumódromos com prazo definido para passarem a ambientes totalmente livres do tabaco. Isto é apenas o que é exigido por lei. Muito mais importante, necessitamos estes ambientes em respeito à saúde de todos nós, fumantes ativos e passivos.
 
Vários locais de trabalho, escolas e lazer, quando surgem dilemas ligados ao direito ao ar livre do tabaco, tem usado os recursos de grupos operativos de reflexão entre os fumantes ativos e passivos. Nossa experiência demonstra que, dada esta oportunidade, os interesses de todos - fumantes ativos e passivos - são respeitados, após um processo em que ocorre a livre exposição dos motivos das partes envolvidas. 
 
Parece apenas fazer sentido focalizar todos esforços para o feto, a criança e o adolescente não se iniciarem nesta droga e adultos não se exporem a esta. Temos visto exemplos significativos de famílias, locais de trabalho, mídia, planos de saúde, associações de profissionais de saúde, escolas, ONGs, locais de lazer e transporte, agindo preventiva e proativamente. Para não correr atrás do prejuízo, atuando curativa e reativamente.
 
 
Mario Becker é pediatra, psicoterapeuta e trabalha em tabagismo ativo e passivo. Trabalha também na Secretaria de Saúde de Campinas. Graduou-se mestre e especialista em desenvolvimento da criança pela Universidade de Harvard, EUA.

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