A tradução objetiva para
a expressão "big killers", em língua inglesa, pode ser
"grandes matadores". O termo, no entanto, usado
ultimamente para falar do estrago provocado na África
através da aids e da tuberculose, por exemplo, não
revela tudo que acontece em países como Moçambique, onde
estimativas oficiais dão conta de que mais de 1,5
milhões de pessoas têm o vírus hiv.
Afinal, para além do
vírus hiv (a aids) ou do bacilo de Koch (tuberculose) os
"grandes matadores" são problemas históricos que
massacram o continente, especialmente em sua porção ao
sul do Saara.
Aliados à aids e à
tuberculose, à malária, à desnutrição, e às guerras, a
miséria e disputas internacionais de países ricos
travados sobre o solo africano e seus habitantes, entre
outras questões, colocam países como Moçambique entre os
10 mais afetados pela aids em todo o planeta.
O Programa Municipal de
DST/Aids de Campinas recebeu no mês de julho a vista de
seu ex-coordenador, Josué Lima, médico formado pela
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que
coordena, a partir da capital moçambicana, Maputo,
programas da Universidade de Colúmbia / International
Center for Aids Care and Treatment Programs – UC/ICAP
(instituição norte-americana) em que os profissionais de
saúde encontram, nas adversidades do país, em vez de
desestímulo, um conjunto de desafios para mudar para
melhor a situação do país e oferecer respostas ao avanço
da pandemia.
Na seqüência, confira a
íntegra da entrevista concedida no mês de junho com
exclusividade, ao Programa Municipal de DST/Aids de
Campinas.
Programa Municipal de DST/Aids de Campinas
- O senhor foi coordenador do Programa
Municipal de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids
de Campinas até o ano de 2000. Na sua opinião, o que
mudou, na organização desta área programática e como que
você entende estar a epidemia na cidade e no Brasil?
Josué
Lima -
Eu
tenho uma impressão muito geral disso, não posso me
aprofundar nessas informações, nessa resposta, mas a
minha impressão é que tudo ( o Programa DST/Aids)
avançou muito, ampliou muito, passou a ter um perfil um
pouco diferente, um estilo mais ousado o que eu acho
muito positivo. Alguns projetos que eram difíceis de se
desenvolverem naquela época, por várias questões ... Por
exemplo: Redução de Danos. Por várias questões,
dificuldades e alguma falta de sensibilização das
pessoas na época, nesse momento avançaram muito. A
partir de 2001 o projeto começou se desenvolver mais e
foi se ampliando, foi tomando força, a equipe é mais
experiente, mais constituída e hoje é um programa
bastante maduro e que foca, não só a questão da Redução
de Danos, com distribuição de seringas e outras ações
específicas, mas o Programa de Redução de Danos também
encara a situação do usuário de drogas como um todo, não
só o usuário de drogas injetáveis, e isso, eu acho que é
um grande destaque, que inciou-se basicamente àquela
época. Outra questão, também, que eu acho que essa foi
radical, é a organização, a maior autonomia do Programa.
Eu não sei se a palavra autonomia é a mais apropriada,
mas, assim, o Programa passou a ter um gerenciamento
mais facilitado em todos os sentidos, na área
assistencial, na área de prevenção, e começou organizar
as sub-áreas. Pensando em hiv e aids como um todo,
organizou a área da assistência, e as pontes que ela faz
com a área de prevenção e toda a ponte que faz com a
assistência primária, considerando que a assistência às
pessoas que vivem com hiv ou aids seria uma assistência
secundária, ou mesmo terciária, então, toda essa
articulação com outros níveis hierárquicos de atenção,
não é? Isso eu acho que é um destaque muito grande. E
essa integração, até física, da área de assistência, com
a área de prevenção, e constituir um Centro de
Referência, onde todas as pessoas que trabalham estão
muito próximas, e todos têm um conhecimento muito geral
de tudo, ou seja, o compromisso é de todos e não só do
grupo da assistência ou do grupo da prevenção, do grupo
da vigilância ... Todos trabalham juntos por um fim
comum e isso me impressionou muito, pois é uma coisa
muito difícil de acontecer e eu percebi que nesses
últimos cinco anos isso é um fato real em Campinas. Eu
fico muito contente, pois, claro que isso é fruto do
grupo, em si, que trabalhou muito e a gente sabe que não
foi fácil e que eu entendo também, já que participei
anteriormente disso, foi uma continuidade e uma
ampliação do que a gente gostaria que fosse um dia.
Sendo assim, acho que hoje, avaliando
retrospectivamente, tá muito melhor que antes, mas foi
fruto de um "crescendo", um desenvolvimento atingindo a
maturidade. Uma coisa que me chamou muito a atenção
daquela época pra agora é que a cobertura de testes de
hiv em gestantes agora é praticamente 100%. Naquela
época em que estávamos começando com essa estratégia
tudo era muito difícil e lento. E hoje, as informações
que eu tenho, é que teoricamente todas as gestantes que
vão às unidades básicas de saúde conseguem receber a
oferta do teste de hiv, o aconselhamento, o resultado, e
chegam às maternidades, já testadas. Quando isso não
acontece, por algum motivo, ou quando as maternidades
recebem pessoas que não fizeram o teste de hiv no
pré-natal em Campinas, pode ser que tenham feito o
pré-natal em outra cidade que não tem o teste. As
próprias maternidades estão prontas para oferecer o
teste rápido, e então acabam ampliando muito mais essa
cobertura. A impressão que eu tenho é que avançou muito,
e eu fico muito feliz de ver isso dessa maneira aqui em
Campinas.
Programa Municipal de DST/Aids de Campinas
- E com relação ao comportamento da
epidemia?
Josué
Lima –
O
Brasil como um todo tem uma prevalência de hiv baixa, é
menos de 1% (é 0,66%). Então, isso é muito importante e
muito bom para o país. E mesmo assim, com essa baixa
prevalência, ainda existem muitas pessoas que se
infectam. Hoje, ouvi informações de que todo mês chegam
40 a 50 pacientes hiv positivos para serem atendidos no
Centro de Referência DST/Aids de Campinas tem essa
prevalência também baixa, mas mesmo assim, ainda existem
pessoas se infectando na cidade. É difícil dizer se está
aumentando ou se está diminuindo. Mas com bastante
segurança, a tendência de Campinas deve ser a tendência
do País, que é uma tendência de estabilidade. Isso vem
acontecendo no País como um todo. Em São Paulo, o Estado
de São Paulo, e em Campinas, como tem um Programa muito
bom, a tendência é que esse efeito tenha impacto e que
essa estabilidade seja muito definida, mas pessoas ainda
estão se infectando e isso é uma coisa que nos preocupa.
Então eu acho que a tendência, nesse sentido é a
manutenção dos projetos de prevenção já existentes e
mesmo a ampliação desses projetos com criatividade.
Sabemos que às vezes se avança em alguns projetos, pois
tem um grupo forte trabalhando, mas às vezes alguns
projetos começam ficar mais frágeis. Por vários motivos
às pessoas se desistimulam, mudam de atividade e o
projeto pode ser interrompido. Tem de haver uma
constante vigilância, uma manutenção, para que ao menos
esses programas de grande impacto, como são esses
projetos para usuários de drogas, como um todo, para
profissionais do sexo, para jovens, para mulheres e,
claro, para a população em geral não sejam interrompidos
ou mesmo lentificados. A maioria das pessoas no Brasil
se infecta pela atividade heterossexual. Isso significa
que a atividade de prevenção deve ser voltada também
para a população em geral. Quanto à área de assistência,
hoje eu acho que a oferta de serviço é muito boa, então,
a gente começa se preocupar, além disso, além da
cobertura, com a qualidade. Sabemos que o atendimento do
Ambulatório Municipal sempre foi considerado de muita
qualidade e eu sei que cada vez isso está melhorando
mais, com profissionais preparados, com especialistas em
doenças infecciosas, uma boa equipe de enfermagem e os
outros profissionais, agentes de saúde, técnicos de alto
nivel. Então é investir para o desenvolvimento da
promoção de qualidade no serviço. Não só na qualidade da
atenção médica, mas na atenção psicológica, social e
nutricional que é uma coisa que não pode estar
desvinculada da questão clínica em si e do atendimento
médico, dos medicamentos, da realização de exames. A
condição psicológica e social vivenciada pelas pessoas
vivendo com hiv/aids é muito especial. A aids no Brasil,
com o passar dos anos, foi se concentrando nas classes
sociais mais desfavorecidas. O componente social na
epidemia da aids no Brasil hoje é muito importante.
Sabemos que o Centro de Referência de Campinas tem um
cuidado muito grande com todas essas questões e a equipe
é muito atenta com isso. E pra finalizar, além dessas
duas áreas que eu foquei, a questão dos dados que você
perguntou anteriormente, hoje eu também fiquei sabendo
que mesmo profissionais médicos que atendem pacientes
aqui no Centro de Referência, também têm um tempo
dedicado para a organização e avaliação de dados de
vigilância da aids, das doenças sexualmente
transmissíveis, etc. Isso é muito interessante.
Programa Municipal de DST/Aids de Campinas
- Isso não havia na sua época na
coordenação do Programa?
Josué
Lima -
Não,
isso não ocorria Esse envolvimento dos próprios
profissionais que também, além de atender, têm a
oportunidade de produzir e avaliar os dados como um todo
é um diferencial muito grande, pois garante que uma
impressão individualizada, subjetiva, passe a ser mais
coletiva, objetiva. Outro aspecto que também me chamou
muito a atenção aqui no Centro de Referência, além de
todas as outras coisas, foi a relação que se estabeleceu
com as organizações não-governamentais (ongs).
Percebe-se uma grande proximidade e intimidade com as
ongs locais além de se ver garantida a participação
dessas instituições de forma integrada nas ações. Houve
um amadurecimento nesse processo. Tive a oportunidade de
encontrar alguns representantes de ongs da minha época.
Vários continuam atuando e participando ativamente
dessas questões relativas ao hiv/aids e mantendo
plenamente suas instituições e projetos. E finalmente,
para mim foi uma agradável surpresa saber da existência
de uma Assessoria de Imprensa e Comunicação no Centro de
Referência. É incrível essa sensibilidade de ter o
profissional dessa área trabalhando junto ao Centro.
Entre as várias coisas que aprendi trabalhando na
Secretaria de Saúde de Campinas, uma que eu destaco
bastante foi o aprendizado sobre a importância de
trabalhar muito próximo e com intimidade com a área de
Comunicação, a área de Imprensa e Jornalismo.
Programa Municipal de DST/Aids de Campinas
- Não é só uma Assessoria de Imprensa,
mas algo mais amplo: Trata-se de um Núcleo de Educação e
Comunicação Social ...
Josué
Lima -
Isso.
Exatamente ... Parabéns por isso.
Programa Municipal de DST/Aids de Campinas
- Tem um trabalho específico com rádios,
experiências de produção gráfica e comunicação
eletrônica, virtual mesmo, com as ong. Hoje existem pelo
menos 10 rádios comunitárias fixas, trabalhando com o
Programa de DST e Aids ... Então, naquela época tudo
isso era novo pra mim que sempre havia atuado apenas em
assistência e pesquisa médica. Só fui conhecer um pouco
dessa área quando trabalhei no Programa Municipal de
DST/AIDS (Secretaria de Saúde de Campinas), onde eu
tinha um bom contato com a Assessoria de Imprensa.
Posteriormente, trabalhando no Ministério da Saúde
(Programa Nacional de DST e Aids), tive a oportunidade
de acompanhar com mais proximidade e ver como a área de
Comunicação trabalha as estratégias voltadas ao
hiv/aids. Fiquei muito bem impressionado de ver isso
aqui no Centro de Referência. Tive a informação e achei
o máximo, há um treinamento ... Foi isso que eu entendi
e, se não for isso, você me corrige por favor. Vocês
estão oferecendo uma capacitação para profissionais da
área de rádiodifusão comunitária, mas essa é uma
capacitação mista, onde eles, além de aprenderem as
questões mais técnicas, do hiv, da aids e das dst,
principalmente a questão da prevenção/educação, eles
também têm conceitos específicos da área de comunicação,
de rádio. Então, no mesmo tempo que vocês aprimoram
esses profissionais nas suas áreas específicas, vocês
também preparam para atuarem num tema que é fundamental
para o nosso país que é a promoção da saúde, é o combate
contra o hiv/aids e dst. Sabemos que muitas vezes esses
profissionais não tiveram a chance de fazer um curso
técnico, ou uma faculdade nessa área e essa acaba sendo
uma grande oportunidade em que eles podem ganhar, mas
também contribuir.
Programa Municipal de DST/Aids de Campinas
- E muitas vezes, para eles, é novidade
...
Josué
Lima -
Mas eu
acho que quase sempre é novidade, porque nós não estamos
acostumados com profissionais de comunicação
especializados na área de saúde. Então, quando você
consegue fazer essa capacitação e prepará-los mais para
a área de saúde, principalmente hiv e aids, torna-se um
ganho para todos. Isso é muito diferenciado, muito
avançado. Eu acho ... Parabéns!
Programa Municipal de DST/Aids de Campinas
- Isso é viável e tem importância para
lidar com a aids na África, onde o senhor trabalha hoje?
Até pelo fato de o rádio ser mais acessível que outros
veículos de comunicação ...
Josué
Lima -
Do meu
ponto de vista é uma alternativa muito importante. Eu
tive oportunidade de assistir um filme feito lá em
Moçambique sobre esse tema. O diretor do filme é um
brasileiro que mora lá há muitos anos.
Programa Municipal de DST/Aids de Campinas
- Não é o Fernando Meirelles, não (risos)?
Josué
Lima -
Não,
não é o Fernando Meirelles, não (risos). O Fernando
Meirelles trabalhou lá no Quênia, né? E muito bem, mas
não mora na África. Fez aquele filme sensacional, "O
Jardineiro Fiel"... O filme de Moçambique a que estou me
referindo mostra a trajetória de uma comunidade pra ter
acesso a uma rádio comunitária. É uma comunidade muito
simples, bem no interior, numa das províncias do país e
daí eles têm a possibilidade de receber uma rádio
comunitária. A prevenção ao hiv/aids é um dos focos do
filme, e nessa rádio comunitária. Claro que no Brasil a
gente tem mais tecnologia. A população que vive na nossa
zona rural é pequena, acredito que atualmente seja menos
que 20% no Brasil. Em Moçambique a população da zona
rural é de aproximadamente 65% e o nível sócio-econômico
é bastante baixo. O país está entre os mais pobres do
mundo e também entre os países com maior prevalência de
hiv e aids (a prevalência nacional de pessoas com hiv,
de 15 a 49 anos, em 2004, é de 16,2%). A conjuntura
nacional é bastante complexa o que implica em grandes
desafios para o desenvolvimento de estratégias de
prevenção. Poucas pessoas têm acesso à televisão. O
índice de analfabetiso é muito elevado, cerca de metade
da população é analfabeta. Muitos pacientes só são
atendidos com auxílio de tradutores das línguas locais.
Maputo, a capital, é uma cidade grande (cerca de 1
milhão de habitantes), mas não reflete a realidade do
restante do país.
Programa Municipal de DST/Aids de Campinas
- E como é seu trabalho em Moçambique,
como o senhor começou esse trabalho e como ele se
desenvolve?
Josué
Lima -
Eu
havia trabalhado em Campinas até o ano 2000. No início
de 2001 eu fui para o Programa Nacional de DST e Aids,
do Ministério da Saúde e em junho de 2004 eu fui
convidado para dirigir os programas da Universidade de
Colúmbia, dos Estados Unidos, em seu projeto lá em
Moçambique. Até então eu tinha apenas feito algumas
consultorias em Angola e na Zambia. Poder trabalhar na
África e, particularmente no controle do hiv, das aids e
das doenças infecciosas, era um desejo muito antigo.
Programa Municipal de DST/Aids de Campinas
- O senhor fez faculdade em Campinas?
Josué
Lima -
Sim
toda a minha formação acadêmica foi em Campinas,
Unicamp. Fiz aqui a faculdade de Medicina,
especialização em doenças infecciosas e depois o
mestrado e doutorado na mesma Universidade. Fui também
bolsista em um programa de hiv e aids financiado pelo
Conselho Britânico (Londres) durante um ano e 3 meses.
Em Moçambique eu cheguei em agosto de 2004, já faz quase
dois anos. Éramos inicialmente em quatro pessoas e
atualmente somos em 45 profissionais. Nós trabalhamos na
cidade de Maputo, que é a capital do país, e também
trabalhamos em mais cinco províncias incluindo alguns
hospitais rurais. O país, como um todo, tem onze
províncias. Nosso trabalho lá cobre quatro grandes
áreas. Uma delas é o suporte técnico ao Ministério da
Saúde que há dois anos assumiu a distribuição universal
de anti-retrovirais. Antes disso, o tratamento
anti-retroviral em Moçambique era feito por algumas
organizações não-governamentais e o governo mais
acompanhava esse trabalho. A segunda área em que
trabalhamos é suporte dentro de serviços governamentais
que atendem pacientes com hiv ou aids. Em Moçambique
existem aproximadamente 44 serviços que oferecem o
tratamento anti-retroviral no país todo. A Colúmbia está
presente dando suporte a 19 desses serviços. Todos são
serviços do governo vinculados ao Ministério da Saúde. A
Colúmbia está junto, acompanhando e dando suporte
global, desde a infraestrutura física (reformas,
adaptações e construções), contratação de recursos
humanos complementares, apoio no gerenciamento e na
supervisão dos serviços. A terceira área em que atuamos
é relativa a montagem de centros de referência para a
prevenção da transmissão vertical do hiv. Atualmente
damos suporte a dois desses serviços, um no Norte e o
outro no Sul do país. É claro que a prevenção à
transmissão vertical deve se dar em todas as unidades de
saúde que existem, desde a unidade de saúde mais
primária e mais simples, a qual deve oferecer o teste de
hiv e, se for necessário, o tratamento preventivo para
evitar a transmissão de mãe para filho. Mas isso é
bastente difícil em Moçambique. A cobertura é muito
baixa. Então nós montamos centros de referência que
podem implementar várias estratégias nessa área e depois
reproduzir em outros serviços. A quarta grande área em
que a gente trabalha é na renovação, na reforma ou na
construção de laboratórios clínicos no país. O país tem
uma deficiência em laboratórios. Os que existem muitas
vezes encontram-se comprometidos. Dessa maneira estamos
reformando 16 laboratórios em todo o país.
Programa Municipal DST/Aids de Campinas
-
O grande avanço da pandemia de aids, hoje a gente vê
pelos dados da Organização das Nações Unidades (ONU),
por exemplo, dá-se no Leste Europeu, Sudeste Asiático,
mas principalmente na África Subsaariana. Qual sua
avaliação desse quadro e quais os rumos a seguir para
lidar com essa situação?
Josué
Lima -
A
África Subsaariana, como você mesmo disse, é a região
mais afetada do mundo pela pandemia do hiv e da aids. Os
dados núméricos são assustadores. Tudo se concentra lá
em termos quantitativos de pessoas infectadas com o
vírus. Em algumas localidades os números têm até
aumentado. A prevalência já é muito grande e não
diminui. Moçambique tem quase 20 milhões de habitantes e
estima-se que pelo menos 1 milhão e meio vivem com
hiv/aids. ( pausa) Estima-se que 240 mil pessoas
deveriam estar tomando anti-retrovirais. Atualmente
cerca de 27 mil pessoas estão usando os
anti-retrovirais. Para que haja um impacto significativo
é preciso que rapidamente um número muito grande de
pacientes iniciem o tratamento. Por isso que o nosso
foco, nos nossos projetos, é acelerar a inclusão de
pacientes em terapia anti-retroviral. O impacto nessa
estratégia traduz-se na diminuição da mortalidade,
diminuição do número de doentes, melhorara na qualidade
de vida das pessoas e outros vários ganhos. Acho que o
continente africano, abaixo do Saara, historicamente tem
dificuldades básicas em diversas áreas, além de
enfrentar situações extremas, de guerras, situações
políticas muito difíceis, corrupção, tudo que dificulta
para que um país possa se desenvolver. Mas mesmo assim,
a gente vê que alguns países têm, nos últimos anos,
melhorado, mais até do que se esperava. Algumas pessoas
que estiveram em Moçambique há alguns anos e voltam pra
lá agora, comentam que tem havido um avanço nos últimos
anos. Então, esse é um dado positivo. Eu acho que o
mundo, como um todo, tem ficado um pouco mais atento a
essas questões e vários mecanismos têm sido
desenvolvidos para que, pelo menos, na área do hiv e
aids, tuberculose e malária, que são as grandes endemias
e os grandes problemas de saúde pública desses países,
possa haver alguma melhoria. Hoje há grandes volumes de
recursos financeiros envolvidos com isso, como os
recursos do Fundo Global, recursos do Banco Mundial, e
recursos de vários países, entre eles, muito recurso do
governo dos Estados Unidos. Só os recursos do programa
de emergência do governo americano (PEPFAR) são 15
bilhões de dólares para serem usados ao longo de cinco
anos em hiv e aids. Quase todo esse recurso está voltado
para os países da África Subsaariana. O Fundo Global,
além de disponibilizar fundos para hiv/aids, também
inclui a tuberculose e a malária. Então, essa
preocupação aumentou muito. Hoje a questão de recursos
financeiros, ela continua sendo importante, mas existem
mais recursos disponíveis. Agora a questão não é só ter
recurso financeiro. Você precisa ter uma estrutura
montada, organizada, e principalmente pessoas bem
preparadas para esses trabalhos específicos. Então,
atualmente, havendo mais recursos financeiros para
hiv/aids, outro problema que passa a se destacar
bastante é a disponibilidade de recursos humanos e de
infra-estrutura, ou seja, condições para cuidar dos
pacientes, desenvolver projetos etc.
Programa Municipal de DST/Aids de Campinas
- O senhor pode dar um exemplo? É algo
como não ter água no hospital?
Josué
Lima -
Exatamente. Os centros de saúde, os hospitais, têm
bastante dificuldade em relação à própria estrutura
física, centros de saúde com uma população imensa a ser
atendida, ou mesmo, às vezes, o hospital é grande, mas o
número de pessoas doentes ultrapassa a dimensão do
serviço, não havendo camas para todos os internados.
Então há um problema estrutural que precisa ser
melhorado como um todo. Isso é umas das questões, mas
ela não é a mais importante. Ela dificulta, ela, muitas
vezes, atrasa o desenvolvimento dos programas, mas dá-se
uma solução. É possível construir algumas salas anexas,
dividi-se uma sala grande em duas, instala-se estruturas
pré-fabricadas, e vai se adaptando como é possível, mas
privilegiando o atendimento a quem precisa. Essas
dificuldades são sempre esperadas quando se organiza um
novo serviço. O que tem me preocupado mais hoje em tudo
isso é a escassez de recursos humanos nas diversas áreas
da saúde.
Programa Municipal DST/Aids de Campinas
-
Por isso há brasileiros indo pra lá?
Josué
Lima -
Sim.
Não só brasileiros tem ido para lá, mas estrangeiros de
vários outros países. O Brasil tem tido boas parcerias
com Moçambique nessa área por vários motivos, entre eles
a facilidade da língua, uma identidade cultural e o
acúmulo de experiência em hiv/aids que o nosso país tem
tido.
Programa Municipal de DST/Aids de Campinas
- Aliás, com quantos brasileiros você
trabalha lá?
Josué
Lima -
Hoje,
no nosso projeto, nós somos em 10. Quatro trabalham mais
nas áreas programáticas e técnicas específicas e os
outros trabalham nas províncias, gerenciando,
supervisionando os projetos e mesmo acompanhando os
serviços e atendendo pacientes. Entre esses brasileiros
somos 8 médicos e duas psicólogas.
Programa Municipal de DST/Aids de Campinas
- Além de outros países ...
Josué
Lima -
Em
Moçambique temos uma equipe com uma profissional suíça,
dois espanhóis, duas americanas, quatro italianos, 10
brasileiros e os demais, todos são moçambicanos, num
total de 45 pessoas. Então, retornando para a sua
pergunta: Nós temos várias dificuldades em desenvolver
os projetos e os recursos financeiros estão disponíveis,
mas não são tantos. Há uma dificuldade em gerenciar e
administrar tudo isso e fazer as coisas acontecerem.
Moçambique tem apenas 650 médicos no país como um todo.
Então, esses brasileiros que foram têm ajudado bastante
melhorar essa assistência médica específica. Além disso
nós desenvolvemos um programa de cooperação entre
Moçambique, Brasil e Universidade de Columbia/ICAP, onde
vários profissionais brasileiros jovens vão para o país,
permanecendo lá por dois meses, atuando nos serviços
assistenciais de hiv/aids. O programa possibilita que
esses profissionais brasileiros conheçam de perto uma
realidade africana, tenham um aprendizado clínico nesse
contexto, mas também possam, na convivência do dia-a-dia
com os profissionais de saúde local, estar passando um
pouco da sua experiência, constituindo assim uma rica
troca de conhecimentos. É um compartilhar de vivências
que acontece na rotina do trabalho, acompanhando,
avaliando, e discutindo situações clínicas do dia a dia
do serviço. O programa tornou-se um excelente espaço de
aprendizado bilateral e uma boa troca em serviço. A
maioria dos profissionais que tem ido são médicos
especialistas em infectologia (no último ano do programa
de residência médica ou recém terminado), além de
enfermeiras e psicólogas. Em tudo que temos feito temos
explorado ao máximo a nossa criatividade para uma
resposta rápida e de maior impacto. Apesar das
dificuldades, nesses dois anos muita coisa boa já
aconteceu. Atualmente, do total de serviços específicos
para o tratamento em hiv/aids e anti-retrovirais do
sistema nacional de saúde, a Universidade de Columbia/ICAP
está presente, dando suporte, para quase 40% desses
serviços (19 em 49). Do total de pacientes em uso de
anti-retrovirais no país, um terço está nos serviços que
recebem suporte da Universidade de Columbia/ICAP. Estou
bastante otimista e espero que possamos continuar
crescendo e contribuindo nesses grandes desafios. Temos
que reconhecer que uma parte do nosso sucesso em
Moçambique deve-se à contribuição da Prefeitura Munipal
de Campinas/Secretária Municipal de Campinas e da
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), pela
sensibilidade em nos ajudar no programa de cooperação em
desenvolvimento. Temos recebido profissionais de
altissima competência e muito motivados, de ambas as
instituições e de outras instituições universitárias
também. Felizmente, até o momento, todos os
profissionais que participaram do programa de cooperação
ficaram muito satisfeitos com a experiência. Dois deles
optaram por retornar ao país e hoje fazem parte da nossa
equipe.