A Primavera vem aí !!

12/08/2002

Florianita Coelho Braga Campos – coordenadora do Programa de Saúde Mental de Campinas

Sem um incidente sequer, estamos deixando a casa onde, por três meses, funcionou o Centro de Atenção Psicossocial Esperança (CAPS-Leste). Estamos saindo por agressividade e intolerância explícita de alguns moradores da Nova Campinas. Afinal, em nossa cidade, como em todas as outras aglomerações dos humanos, tem sempre uma maioria silenciosa. Somos muito iguais.

Somos todos iguais? É muito difícil aceitar quando reconhecemos diferenças.

É papel do Programa de Saúde Mental, da Secretaria Municipal de Saúde, trazer à tona as diferenças de cada um de nós e inclui-las na produção da vida: é saudável para o crescimento de todo cidadão.

Temos escutado: "Vocês são loucos!!"

Não temos medo das palavras, mas sobretudo fomos eleitos com o lema: CORAGEM DE MUDAR. Esse é o nosso mote e, com ele, iremos até o final de nossa gestão. E com certeza mostraremos e convenceremos outros tantos que não dá mais para ficar repetindo tudo, todas as coisas apenas, trocando a maquiagem: deixando loucos nos hospícios limpos, com boas comidas, longe da cidade, do trânsito ("ah...a tranqüilidade das chácaras e fazendas"!), enfim confinados em prisão perpétua sem pena a pagar.

Não. Chega de hipocrisia.

Gente é para ficar solta: rir, chorar, sofrer, falar, brincar, gritar, cantar, dançar, namorar, conviver e relacionar-se sexualmente... Estes bens não pertencem apenas à telinha da TV, em "Big-Brothers", nas casas da maioria mesmo (silenciosa ou não).

Chega de confundir valores. A grande contradição é que estamos abrindo os portões do manicômio, na mesma época em que as pessoas se trancam em suas casas cheias de medo. Em nossa vida, atualmente, as árvores servem apenas para serem admiradas da janela ou do carro... não mais para sentar a sua sombra, conversar e sentir as flores caindo na cara. Muitos de nossos filhos não sentiram isto. Conhecem apenas a sombra e a alameda de corredores dos shopping centers.

É preciso separar bem quem é bandido dos outros que sofrem. O sofrimento de adoecidos (doença mental e doença do medo) é grande. Expor diferenças significa entendê-las para compor e até separar o joio do trigo.

O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Esperança, da Região Leste do município, é nosso oitavo serviço de atenção psicossocial para atender os campineiros, que necessitem cuidados e ajuda em relacionar-se com este mundo - numa sociedade cada vez mais excludente -, que têm medo de serem violentados, de não serem entendidos e sem coragem de falar ou olhar e que ficam confusos em sua percepção da realidade ou em sua reação a ela.

O CAPS Esperança, juntamente com os CAPS Integração, Novo Tempo, Estação, Toninho, CRIAD, CEVI e CRAISA, fazem parte de uma Rede Substitutiva ao hospício, respondem a ATUAL LEI BRASILEIRA (lei 10.216, de abril de 2001) que propõe tratar em liberdade os humanos que sofrem de problemas mentais graves. As pessoas que moravam nos hospitais psiquiátricos por anos (10, 20, 30 até 50 anos!) estão hoje ou de volta a suas famílias ou habitando casas espalhadas pela nossa cidade (são 29 moradias com 138 pacientes ex-moradores de hospitais). Estas pessoas eram obrigadas a esquecer quem eram, qual sua história, onde estava sua família, o que gostavam ou sabiam fazer. Esse é o papel fundamental dos CAPS: recuperar vidas, recuperar biografias - verdadeiras colchas de retalho! - e o mais importante, não permitir que usemos, no futuro, o termo "reinserção" social das pessoas, pois trabalharemos para que elas não sejam excluídas e que continuem inseridas na vida apesar de estarem adoecidas.

Campinas é a cidade brasileira que mostrou maior rapidez em responder à lei da Reforma Psiquiátrica, de 2001, pois acumula uma história de construir jurisprudência (a lei anterior era de 1934, mesmo com a Constituição de 1988): abriu-se os portões, fechou-se hospícios e inseriu-se as pessoas no meio social com casas e trabalho. Criou-se serviços onde todos vão: Centros de Saúde, Hospitais Gerais e agora os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).

Por esta situação, o Programa de Saúde Mental do município recebeu um prêmio de "Experiência Exitosa em Saúde Mental", na III Conferência Nacional de Saúde Mental, do Ministério da Saúde, em dezembro de 2001. Os moradores de Campinas devem se orgulhar dos ganhos de sua cidade, pois esse reconhecimento não é apenas de quem está trabalhando para que isto aconteça, mas de quem mora aqui, aceita e principalmente acolhe esta inserção das pessoas adoecidas. A cidade sem preconceitos, a cidade sem discriminação... é assim que precisamos continuar sendo reconhecidos.

A cidade, que apesar da seca durante a falta de chuvas, vê e respira o florir das diferentes cores do Ipê, da Buganvília e da Suinã.

E nós, do Programa de Saúde Mental, esperamos pela Primavera, que vem aí e com ela o vermelho das alamedas de Flamboyant.

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