Florianita
Coelho Braga Campos – coordenadora do Programa de Saúde
Mental de Campinas
Sem
um incidente sequer, estamos deixando a casa onde, por três
meses, funcionou o Centro de Atenção Psicossocial Esperança (CAPS-Leste).
Estamos saindo por agressividade e intolerância explícita de
alguns moradores da Nova Campinas. Afinal, em nossa cidade, como
em todas as outras aglomerações dos humanos, tem sempre uma
maioria silenciosa. Somos muito iguais.
Somos
todos iguais? É muito difícil aceitar quando reconhecemos
diferenças.
É
papel do Programa de Saúde Mental, da Secretaria Municipal de
Saúde, trazer à tona as diferenças de cada um de nós e
inclui-las na produção da vida: é saudável para o
crescimento de todo cidadão.
Temos
escutado: "Vocês são loucos!!"
Não
temos medo das palavras, mas sobretudo fomos eleitos com o lema:
CORAGEM DE MUDAR. Esse é o nosso mote e, com ele, iremos
até o final de nossa gestão. E com certeza mostraremos e
convenceremos outros tantos que não dá mais para ficar
repetindo tudo, todas as coisas apenas, trocando a maquiagem:
deixando loucos nos hospícios limpos, com boas comidas, longe
da cidade, do trânsito ("ah...a tranqüilidade das chácaras
e fazendas"!), enfim confinados em prisão perpétua sem
pena a pagar.
Não.
Chega de hipocrisia.
Gente
é para ficar solta: rir, chorar, sofrer, falar, brincar,
gritar, cantar, dançar, namorar, conviver e relacionar-se
sexualmente... Estes bens não pertencem apenas à telinha da
TV, em "Big-Brothers", nas casas da maioria mesmo
(silenciosa ou não).
Chega
de confundir valores. A grande contradição é que estamos
abrindo os portões do manicômio, na mesma época em que as
pessoas se trancam em suas casas cheias de medo. Em nossa vida,
atualmente, as árvores servem apenas para serem admiradas da
janela ou do carro... não mais para sentar a sua sombra,
conversar e sentir as flores caindo na cara. Muitos de nossos
filhos não sentiram isto. Conhecem apenas a sombra e a alameda
de corredores dos shopping centers.
É
preciso separar bem quem é bandido dos outros que sofrem. O
sofrimento de adoecidos (doença mental e doença do medo) é
grande. Expor diferenças significa entendê-las para compor e
até separar o joio do trigo.
O
Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Esperança, da Região
Leste do município, é nosso oitavo serviço de atenção
psicossocial para atender os campineiros, que necessitem
cuidados e ajuda em relacionar-se com este mundo - numa
sociedade cada vez mais excludente -, que têm medo de serem
violentados, de não serem entendidos e sem coragem de falar ou
olhar e que ficam confusos em sua percepção da realidade ou em
sua reação a ela.
O
CAPS Esperança, juntamente com os CAPS Integração, Novo
Tempo, Estação, Toninho, CRIAD, CEVI e CRAISA, fazem parte de
uma Rede Substitutiva ao hospício, respondem a ATUAL LEI
BRASILEIRA (lei 10.216, de abril de 2001) que propõe tratar em
liberdade os humanos que sofrem de problemas mentais graves. As
pessoas que moravam nos hospitais psiquiátricos por anos (10,
20, 30 até 50 anos!) estão hoje ou de volta a suas famílias
ou habitando casas espalhadas pela nossa cidade (são 29
moradias com 138 pacientes ex-moradores de hospitais). Estas
pessoas eram obrigadas a esquecer quem eram, qual sua história,
onde estava sua família, o que gostavam ou sabiam fazer. Esse
é o papel fundamental dos CAPS: recuperar vidas, recuperar
biografias - verdadeiras colchas de retalho! - e o mais
importante, não permitir que usemos, no futuro, o termo "reinserção"
social das pessoas, pois trabalharemos para que elas não sejam
excluídas e que continuem inseridas na vida apesar de estarem
adoecidas.
Campinas
é a cidade brasileira que mostrou maior rapidez em responder à
lei da Reforma Psiquiátrica, de 2001, pois acumula uma história
de construir jurisprudência (a lei anterior era de 1934, mesmo
com a Constituição de 1988): abriu-se os portões, fechou-se
hospícios e inseriu-se as pessoas no meio social com casas e
trabalho. Criou-se serviços onde todos vão: Centros de Saúde,
Hospitais Gerais e agora os Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS).
Por
esta situação, o Programa de Saúde Mental do município
recebeu um prêmio de "Experiência Exitosa em Saúde
Mental", na III Conferência Nacional de Saúde Mental, do
Ministério da Saúde, em dezembro de 2001. Os moradores de
Campinas devem se orgulhar dos ganhos de sua cidade, pois esse
reconhecimento não é apenas de quem está trabalhando para que
isto aconteça, mas de quem mora aqui, aceita e principalmente
acolhe esta inserção das pessoas adoecidas. A cidade sem
preconceitos, a cidade sem discriminação... é assim que
precisamos continuar sendo reconhecidos.
A
cidade, que apesar da seca durante a falta de chuvas, vê e
respira o florir das diferentes cores do Ipê, da Buganvília e
da Suinã.
E
nós, do Programa de Saúde Mental, esperamos pela Primavera,
que vem aí e com ela o vermelho das alamedas de Flamboyant.