Atendimento Humanizado

Reportagem Especial do Jornal Correio Popular de Campinas

01/09/2013

Autor: Fábio Gallacci da Agência Anhanguera

520 MIL REAIS é o custo mensal para manter o Serviço de Atendimento Domiciliar em Campinas 32 MIL KM são percorridos todos os meses, dentro de Campinas, pelas equipes do SAD 400 PACIENTES são atendidos em suas casas por equipes interdisciplinares de profissionais de saúde

Serviço de ATENÇAO DOMICILIAR completa 20 anos em Campinas levando atendimento médico para pacientes em suas casas; além de humanizar o TRATAMENTO, programa, mantido pela PREFEITURA e governo federal, AJUDA a desafogar os leitos sempre lotados na rede pública e serve como referência pelo Ministério da Saúde para IMPLANTAÇÃO em outros estados

Atendimento Humanizado

No lugar da frieza de uma ala de hospital, a pequena Eloá de Oliveira, de 6 anos, tem o carinho da família, vai à escola normalmente e brinca com as amigas sempre que pode. Já Damião da Silva, de 49, vítima de um acidente vascular cerebral, é cercado de toda a atenção de profissionais capacitados dentro de seu próprio quarto semanalmente. Os dois são beneficiados pelo Serviço de Atenção Domiciliar (SAD), mantido há 20 anos em todas as regiões de Campinas pela Secretaria Municipal de Saúde. O programa, que prioriza um atendimento mais humanizado e a desospitalização de pacientes, é um dos pioneiros do Brasil e atualmente serve como referência para que o Ministério da Saúde desenvolva atividades semelhantes em outros estados. São cerca de 400 pacientes atendidos. Para cuidar dessas pessoas em suas casas, muitas vivendo em locais de difícil acesso, quatro equipes rodam até 32 mil quilômetros dentro da cidade todos os meses, o equivalente a oito viagens de Campinas a Manaus (AM), por exemplo. O combustível para isso não poderia ser outro a não ser muito amor por essa missão.

As quatro equipes englobam médicos clínicos e pediatras, enfermeiros, auxiliares e técnicos de enfermagem e diversas outras especialidades ligadas à Saúde, como fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e nutricionistas. A verba mensal total de RS 520 mil para manter o trabalho dos grupos vem da União (55%) e do Município (45%). Geralmente, os pacientes inscritos no programa chegam após internações hospitalares ou vêm das unidades básicas da cidade. Ainda existe a demanda espontânea de quem pede para colocar alguém da família no grupo. Os interessados também podem procurar os Centros de Saúde dos bairros onde vivem para mais informações.

"Todos os pacientes passam por uma triagem e o ingresso deles dentro das ações do programa se dá em decorrência de suas necessidades. Não tem ordem de chegada ou fila. Não tem sentido eu falar para um paciente grave que eu vou vê-lo só daqui a um mês. Depende da situação de cada um"', explica a coordenadora de Atenção Domiciliar da Secretaria de Saúde, Mônica Regina Prado de Toledo Macedo Nunes, que faz parte do programa desde o lançamento de sua "pedra fundamental", como ela mesma gosta de dizer.

Assim como há o lado humano, também existe uma necessidade prática da Administração em aliviar a rede pública e oferecer leitos com frequência adequada à demanda. "Tem essa questão de desafogar as portas e as internações hospitalares, mas também estamos dando qualidade de vida para os pacientes. Além de humanizar a assistência, o objetivo é fazer com que a pessoa permaneça no seu domicilio, sem a necessidade de ficar indo e vindo de internações desnecessárias" , detalha a coordenadora.

Conforme Mônica explica, o SAD começou como um projeto-piloto mantido inicialmente nos Centros de Saúde da Vila Orosimbo Maia e do Jardim Paranapanema, na Região Sul. "Essa escolha se deu  por conta da diversidade da população desses lugares. Há pontos de população carente, de favelas, ocupações e também locais com uma renda um pouco maior", justifica. A coordenadora de Atenção Domiciliar conta ainda que, no início, o maior público desse serviço era de pacientes da terceira idade, mas com o avanço da violência (uso de armas de fogo e acidentes automobilísticos, por exemplo) e os registros de nascimentos de bebês com problemas mais graves, houve um aumento no atendimento de pessoas de 0 a 10 anos e de adultos mais jovens; algo que não existia antes.

A coordenadora do SAD Norte-Leste, Denise Vieira Antunes Amaral, confirma que o atendimento foi ampliado e ressalta o ganho em qualidade que o trabalho no domicilio proporciona. "Atendemos todas as fases da vida, das crianças até os idosos. O importante para essas  famílias é o apoio e o suporte dados a elas. E isso evita a internação desse usuário que geralmente é grave, mas que, com os nossos médicos, é possível cuidar fazendo todos os procedimentos necessários em casa"', aponta. "Isso também gera uma  redução de custos. Mesmo que os materiais sejam levados para as casas dos pacientes, o gasto é menor do que uma internação. Em casa, você é melhor tratado e está no aconchego do lar. No hospital, muitas vezes, você fica separado da família", lembra Denise.

Referência

O trabalho em Campinas foi crescendo até que passou a ser referência nacional. Em 2011, o Ministério da Saúde divulgou a Portaria nº 2.527, que redefiniu a Atenção Domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Na mesma época, o governo federal lançou o programa "Melhor em Casa" para proporcionar aos usuários um cuidado contextualizado à sua cultura, rotina e dinâmica familiar, evitando hospitalizações desnecessárias e diminuindo o risco de infecções. Dentro dessa iniciativa há muito do SAD campineiro.  Tanto é que Mônica é uma das consultoras técnicas do Ministério da Saúde.


Crédito: Érica Dezonne/AAN
Eloá, 6 anos, ao lado da enfermeira Fabiana Yoshino: menina ficou internada por 10 meses e agora recebe tratamento em casa; ela fala com profissionais até pelo Facebook


Equipe do SAD enfrentam dificuldades de acesso para atendimento


Pacientes retribuem atenção com gratidão, bolo e café

Famílias agradecem o incremento na qualidade de vida após chegada do SAD a suas casas

A estudante Eloá Souza de Oliveira, de 6 anos, que vive no bairro San Martin, em Campinas, tem a síndrome do intestino curto e, para sobreviver, precisa de uma sonda para se alimentar de forma endovenosa. Parte de seu intestino foi retirado cirurgicamente, e por ele ser muito pequeno, não absorve todos os nutrientes para  uma vida normal. O que ela consome por via oral não é suficiente. Por isso, todos os dias ela recebe em dois momentos a visita de uma equipe do Serviço de Atenção Domiciliar (SAD), de manhã para limpar a sonda e à tarde para receber a dieta especial. Ela está há três meses sendo atendida em casa e já tem uma rotina normal. O calvário recente parece ter ficado no passado. Eloá morou por dez meses e 20 dias no Hospital de Clínicas (HC) da Universidade Estadual de  Campinas (Unicamp).

"A volta dela para casa foi um ganho gigantesco. A família estava bastante temerosa de que isso não fosse dar certo, mas deu. A Eloá conseguiu ir para a escola, visitar outras pessoas de sua família e ir ao shopping, como qualquer outra criança. Está super espoleta e a mãe está muito feliz", comemora a coordenadora do SAD Norte-Leste, Denise Vieira Antunes Amaral.

Segundo ela, existe a perspectiva de que, com o crescimento do corpo, o intestino também se desenvolva e melhore a absorção para que Eloá alcance uma solução para o seu problema. Isso pode acontecer quando a estudante tiver seus  10 anos de idade. "O que o SAD nos oferece significa qualidade de vida. Vir para casa depois de ficar tanto tempo no hospital é maravilhoso. Minha filha tem garra de viver e já consegue fazer tudo normalmente. Como mãe, não tenho como explicar essa alegria", agradece a dona de casa Lucidalva Souza Oliveira.

Na Vila Olímpia, a aposentada Maria Anívia de Araújo, de 62, também enaltece o SAD na atenção dada a seu companheiro Damião da Silva, 49, vítima de um acidente vascular cerebral já há um ano. "Eu tinha vendido tudo para voltar para Pernambuco quando aconteceu o problema. Como eu daria conta sozinha de urna situação dessas? O pessoal do SAD é a minha família, pessoas amorosas  que nunca me desamparam. É tudo o que eu precisava". responde.

O mesmo sentimento de carinho às equipes é percebido na Vila Ipê, onde as irmãs Carmem Silva Baldo Betti e Vera Maria Baldo Pereira cuidam da mãe, Ignês Dian Baldo, de 89 anos, vítima de Alzheimer. "Recebemos com frequência a visita do médico, de um fisioterapeuta e fonoaudiólogo. Já são quatro anos de visitas  semanais. Minha mãe não ficou uma semana sequer desassistida. Nem os  convênios oferecem um tratamento assim"', atesta Carmem, que costuma fazer um café e um bolinho caprichado para os seus grandes amigos do SAD. No Natal, ela compra presentes para todos. "Eles são irmãos pra gente, anjos que caíram do céu", diz.

Carmem também participa das atividades organizadas pelo programa que são específicas para os cuidadores. Em todas as terceiras terças-feiras de cada mês, há atividades programadas para proporcionar um relaxamento para quem cuida dos acamados. Afinal, eles também precisam de um descanso para a cabeça.  "Em nosso trabalho, visamos a saúde integral da casa, do paciente, da  família e do cuidador. Ele é o pivô de tudo", explica o enfermeiro Edson Éden de Oliveira. (FG/AAN)


Crédito: Érica Dezonne/AAN
Os enfermeiros Edson de Oliveira e Fernanda Marciano cuidam de Ignês Dian Baldo, 89 anos, que tem Alzheimer; Vera Pereira (à esq.), filha da paciente, retribui atenção com bolinho e café para a equipe


Tratamento em casa vem da antiguidade no Egito e Grécia

Segundo relatos históricos, os cuidados em saúde realizados em domicilio já são descritos ao longo da história da humanidade no Egito Antigo e também na Grécia. Em países da Europa, no final do século 18, antes do surgimento dos hospitais e dos ambulatórios médicos, já se praticava a atenção no domicílio como modalidade de cuidado a pacientes acometidos de diversas doenças comuns para aquela época. Com o advento da medicina científica, nos anos iniciais do século 19, iniciou-se o processo de transformação do sujeito em paciente, tendo o hospital como o local que contribuía para a neutralização das perturbações externas, de modo que a configuração ideal da doença aparecesse aos olhos do médico.

Parceria para reduzir déficit de leitos

O orçamento da Secretaria Municipal de Saúde de Campinas para este ano é de R$ 977,9 milhões. Atualmente. a cidade tem um total de 2.691 leitos - entre clínicos, psiquiátricos e de UTI. Exatos 1.337 deles são destinados ao Sistema Único de Saúde (SUS) e 1.354 são da rede privada. O déficit de leitos na cidade chega a 70 no momento. A Prefeitura informa que pretende resolver essa questão após assinar convênios com a Beneficência Portuguesa e a Santa Casa de Misericórdia. Essas  parcerias serão firmadas em breve, de acordo com a assessoria de Imprensa.

Atendimento extrapola o profissional e vira amizade

Relação mais próxima transforma cotidiano dos envolvidos

 O profissionalismo das equipes do Serviço de Atenção Domiciliar (SAD) de Campinas também conta com uma boa dose de amor e vocação em atender o próximo. Só isso explica fugir das mordidas de cachorros durante consultas ou dar banhos em pacientes que sofrem com a falta de atenção da família. A enfermeira Fabiana Gomes Yoshino e o técnico de enfermagem Fábio Vicente Bambolin são exemplos dessa dedicação que não limites entre o profissional e o simplesmente humano.

"Muitas vezes, a gente chega nas casas e pergunta se tem cachorro. E o morador sempre diz que tem, mas que ele não morde. Um dia, eu estava atendendo urna pessoa e o cachorro escapou. Como não tinha como sair dali, o único jeito foi subir na cama do paciente, que era alta. O cachorro avançou, mas não me pegou!", lembra Fabiana, rindo após o susto.

O contato constante gera amizades. Tanto a enfermeira quanto o seu colega mantêm um vínculo com alguns pacientes. "Já encontrei alguns deles em shoppings. As pessoas viram amigas", confirma Fábio. "Recentemente, eu viajei e me comunicava com a Eloá (paciente citada nesta reportagem) pelo computador,  no Facebook. Assim, eu sabia que ela estava bem. É uma troca que extrapola o profissional", acrescenta Fabiana.

Mas também existem momentos de dor e tristeza. "Já aconteceu de chegar na casa e o paciente morrer ou estar prestes a isso. São momentos de dor, onde é preciso fazer o atendimento necessário e, ao mesmo tempo, amparar a família.  Muitas vezes, você volta para casa pensando no que viu. Atendemos muitas crianças... Tenho um filho de 3 meses", conta o técnico em enfermagem.

Não conseguir trabalhar com as famílias dos pacientes é o pior obstáculo. Em alguns locais há relações desestruturadas onde cuidar do doente não é a prioridade. "Tem domicílio onde o paciente não é bem cuidado. Nosso trabalho é orientar o cuidador e não fazer por ele. Muitas vezes acabamos fazendo esse papel porque o paciente está com fome e emagreceu muito de uma semana para outra. A gente percebe que, se não formos mais de uma vez na casa da pessoa, ela vai morrer mesmo. A família não dá água, não dá banho. Tem paciente que fica 30 dias sem tomar banho e somos nós que acabamos dando. São situações que a gente vai para casa e se sente impotente", lamenta Fabiana. Mas isso não impede que a dupla siga com a sua missão de atender bem e fazer amigos. (FG/AAN)

Benefícios
 

  • Estudos apontam que o bem-estar, carinho e atenção familiar aliados à adequada assistência  em saúde são elementos importantes para a recuperação de doenças.

  • Muitos pacientes submetidos a cirurgias e que necessitam de recuperação podem ser atendidos em casa. Isso traz uma redução dos riscos de contaminação e infecção.

  • Estima-se (dados do Departamento de Atenção Básica e da Coordenação Geral de Gestão Hospitalar do Ministério da Saúde) que com a implantação da Atenção Domiciliar obtém-se economia de até 80% nos custos de um paciente, quando comparado ao custo desse mesmo paciente internado em um hospital.

 Fonte: Ministério da Saúde

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