Seminário 230 anos de Campinas - Território, Urbanismo e Planejamento


Séculos XVIII e XIX

Prof. Dr. Luiz Cláudio Bittencourt – Arquiteto Urbanista da Seplama e Professor da FAU-PUCC e UNESP

Divido esse grande período da história urbana de Campinas em dois tipos urbanísticos conhecidos da historiografia, o primeiro nasce na tradição portuguesa de origem medieval de construir aldeias como forma de ocupar e dominar territórios, forma desenvolvida durante a reconquista. O segundo é tributário ao pensamento iluminista e neoclássico de origem francesa do século XVIII, que em Portugal assume caráter despótico na presença de Pombal e excessivamente geométrico revelada nas obras de Eugênio dos Santos e Carlos Mardel durante a recuperação da Cidade Baixa causada pelo terremoto de Lisboa em 1755.

A chegada do Morgado de Matheus (D. Luis Antonio de Sousa Botelho Mourão), representante direto do Primeiro Ministro português revela em Campinas uma tenção entre os dois modelos. Aqui se evidencia a figura do semeador apontada por Holanda(1) disseminando povoações e vilas em plano estruturado a partir de pontos geográficos estratégicos, o modelo urbano segue articulação política do antigo pacto entre a Igreja e o Estado, agora em crise.

Assim a igreja toma iniciativa e demarca em 1773 o corpo da capela curada fixando em rito próprio, através da Freguesia a praça nuclear da vila onde se instalarão posteriormente o Pelourinho e a Casa de Câmara e Cadeia.

“... pondo no logar da capella-mór uma cruz, e assignalando o logar da porta da Igreja seguindo o rumo Sul e demarcando não só o ambito da capella-mór, o qual tem quarenta palmos de comprimento e de largura trinta e dois palmos; e o corpo da Igreja até o arco cruzeiro tem de comprimento oitenta e cinco palmos e de largura o corpo da mesma Igreja trinta e dois palmos, tudo em virtude do mandado retro, de que tudo digo, de que tudo, para constar, mandou o dito Juiz Commissario lavrar este auto, em que assignou. Eu, Antonio Marques Barboza, escrivão eleito, que o escrevi ” (2)



Logo a seguir surge o Bando do Morgado de Matheus a Francisco Barreto Leme em 1774 (documento polêmico da historiografia local), definindo parâmetros urbanísticos de regularidade geométrica para a vila como um todo.

“Porquanto tenho encarregado a Francisco Barreto Leme formar uma povoação na paragem chamada de Campinas de Mato Groço, Desricto de Jundiahy, em citio onde se axa melhor comodidade e hé preciso dar norma serta para a formatura da referida Povoação; ordeno que esta seja formada em quadras de setenta ou oitenta vara cada huma e dahy para cima, e que as ruas sejão de secenta palmos de largura, mandando formar as primeiras Cazas nos anglos das quadras, de modo que fiquem os quintaes para dentro a entestar uns com outros. São Paulo vinte sete de Mayo de mil setecentos e setenta e quatro.” (27 de maio de 1774) . (3)

Deste confronto prevalece inicialmente a estrutura local de tradição sertanista, vinculada à capela curada, a prática da arruação, o traçado da estrada e localização dos pousos.

Esta cultura de povoamento sertanista se desenvolve até a primeira metade do XIX, enquanto a estrada e o transporte de muares influencia na organização regional do transporte de cana e início do café.

Durante o período de consolidação da vila e constituição inicial da cidade até a metade do séc. XIX prevalece a forma da estrutura linear definida pelas ruas Do Meio (Dr. Quirino), De Cima (Barão de Jaguara), De Baixo (Lusitana) e respectivas travessas de acesso ao córrego Tanquinho, como apontado no trabalho de Maria Estela (4).

Com a implantação da Matriz Nova e início da construção em 1808 fica definido o novo eixo de expansão perpendicular ao traçado da estrada e ao formato da Vila de São Carlos, mas essa nova área da Cidade de Campinas é ocupada apenas na segunda metade do séc. XIX com a chegada das ferrovias e implantação dos pátios de manobra, vilas operárias, oficinas de manutenção e fabricação, oficinas subsidiárias, grandes galpões de depósito de sacarias e estações ferroviárias com seu complexo de transbordo.

Tardiamente ao Bando do Morgado de Matheus, em pleno império e a presença do neoclássico da missão francesa, é construída a estrutura espacial proposta em 1775, com quadras regularizadas pela Cazas nos anglos das quadras, de modo que fiquem os quintaes para dentro a entestar uns com outros. , além da definição de um raro e sofisticado eixo urbanístico, definido pelo corpo da Matriz Nova e do Teatro São Carlos até a Estação da Cia Paulista e sua praça frontal.

Complementam a proposta estética, algumas leis reveladoras da nova cultura urbanística instalada sob forte presença européia francesa, inglesa e italiana.

Desse conjunto de leis esparsas o mais significativo é o “Código de Posturas de 1864”, sistematizado em nove capítulos bastante esclarecedores da nova maneira de organizar a vida urbana e a cidade: Cap. 1 Edificações, Cap. 2 Servidões Públicas, Cap. 3 Abastecimento, Cap. 4 Salubridade, Cap. 5 Amimais Daninhos, Cap. 6 Incêndios, Cap. 7 Jógos, Cap. 8 Espetáculos, Cap. 9 Disposições Gerais, Tabela de Impostos, Regulamento da Praça do Mercado. Segue o Código de Posturas de 1880, sobre impostos e complementos ao Código de 1864, e Lei 43 de 1895, definindo um novo patamar de participação do poder público no seu art. 4° “As plantas ou projectos serão submetidas ao engenheiro municipal” ... Posteriormente essa lei será regulamentada em 1896.

A essas leis e a nova forma geometricamente regular associadas a um modo de vida urbano e cultura sofisticado, se articulam diversidades sociais e econômicas inéditas na cidade e na região, definindo um novo território no plano funcional e formal, propondo para o séc. XX uma nova cidade, sobrevivente da febre amarela, resgatada pelo urbanismo sanitarista e de Saturnino de Brito, marcada pela idéia de planejamento de Anhaia de Mello e pela modernidade anacrônica do Plano de Avenidas de Prestes Maia.


Referências Bibliográficas:

(1) HOLANDA, Sergio Buarque de. RAIZES DO BRASIL. Companhia das letras , São Paulo, 1997.

(2) “Auto de vistoria e demarcação para a nova Igreja Parochial, de Nossa Senhora da Conceição”. 22 de setembro de 1773 “. História da Fundação de Campinas (Subsídios). CAMPOS JR., Teodoro de Sousa. Monografia Histórica de Campinas, publicada pela Câmara Municipal de Campinas, ano de 1952”.

(3) SANTOS, Antonio da Costa. COMPRA E VENDA DE TERRA E ÁGUA E UM TOMBAMENTO

NA PRIMEIRA SESMARIA DA FREGUESIA DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO DAS CAMPINAS DO MATO GROSSO DE JUNDIAÍ 1732 – 1992. Ed. UNICAMP, Campinas, 2002. Esta fonte retirada de nota de rodapé é importante pela polemica e luz que traz sobre controvérsias do documento citado.

(4) Bergó, Maria Estela de Abreu. Estudo Geográfico da Cidade de Campinas, in: Anais do 10º Congresso Brasileiro de Geografia. Rio de Janeiro, 1952.